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Sinopse

Natasha Romanoff se vê sozinha num mundo em colapso. Apesar de reflexiva, está prestes a lidar com fortes inimigos do passado que podem, finalmente, mostrar a faceta dela mais frágil.

Crítica

Primeira grande heroína do Universo Audiovisual Marvel (afinal, há um bom tempo não mais restrito às telas de cinema), Natasha Romanoff precisou penar como coadjuvante – e ver colegas recém-chegadas passarem na sua frente. Agente Carter, Capitã Marvel, Vespa, Wanda Maximoff, Jessica Jones... várias ganharam filmes ou séries para chamarem de seus antes da agente russa. Mas se essa demora pode ser apontada como uma questão de estratégia, o lamento se dá, por fim, ao se deparar com o tão aguardado Viúva Negra, longa que se apresenta somente quando a personagem já foi dada como morta (spoiler de Vingadores: Ultimato, 2019, conta?). Ou seja, não só seu desfecho é sabido, como tudo que dessa vez ocorre – eventos situados logo após os vistos em Capitão América: Guerra Civil (2016) – também não terão impacto relevante, pois não irão afetar as tramas que depois dele se desenrolarão, pois estes, afinal, são conhecidos. Qual o sentido, então, deste projeto? Basicamente, agradar aos fãs, atender a uma demanda sócio-cultural e preparar terreno para o que virá a seguir.

No primeiro sentido, o filme dirigido sem muita inspiração por Cate Shortland (Lore, 2012) é do início ao fim pensado como fan service. Scarlett Johansson está plena como a icônica lutadora, e a despeito da ausência de superpoderes, suas habilidades são mais do que suficientes para colocá-la em ação em embates furiosos. A cineasta, no entanto, não está tão interessada no confronto físico – por mais que esses pontuem a narrativa, a ponto de se tornarem quase que previsíveis. Há um discurso em cena, e nessa questão se aproxima banalmente – pela superficialidade de sua abordagem – de outro recente blockbuster. Afinal, tal qual Velozes e Furiosos 9 (2021), em Viúva Negra também há uma insistência no lema de que “família são as pessoas que escolhemos para ter ao nosso redor”. Ou seja, a afetiva, aquela alternativa, e não apenas ditada por códigos genéticos. A protagonista chega a afirmar lá pelas tantas: “por muito tempo pensei não ter família alguma, e agora percebo que possuo duas”. Não basta estarem juntos, nos bons e nos maus momentos, nos abraços e nos perigos: é preciso declarar verbalmente. Constantemente. Desnecessariamente.

Essa vontade de entreter e estar à altura das expectativas também resulta em sequências absolutamente inúteis, ao menos sob uma ótica mais atenta. Quando Natasha e sua irmã, Yelena (Florence Pugh, preparada para seguir com o manto da primogênita), se encontram pela primeira vez, partem imediatamente para uma luta que leva as duas a quase destruírem o apartamento onde se encontram. Mas... por quê? Qual o sentido desse duelo, se afinal estão ali pelas mesmas razões, e logo alinham seus interesses para atuarem juntas? O mesmo pode ser dito a respeito da sequência final: um alerta é dado e os vilões são chamados, mas apenas para confundir o espectador – os personagens sabem o que está se desenrolando. É a reviravolta pela reviravolta, gratuita e que não leva a lugar algum. Não teria sido mais fácil terem agido discretamente, sem alertar ninguém, desde o começo? Mas o receio de frustrar a audiência é maior, e se reflete também na falta de coragem em oferecer um destino definitivo a algumas dessas novas figuras: tanto Melina (Rachel Weisz, um tanto perdida) quanto Alexei (David Harbour, feliz em ser apenas um alívio cômico) não mereciam ser tratados de forma tão leviana.

Há no mínimo três bandeiras que Viúva Negra se orgulha em levantar. A mais evidente apela para a sororidade, o que é posto de forma explícita: a maioria das personagens são femininas, passam a maior parte do tempo lutando entre si ou ajudando umas às outras, e as frases de efeito que disparam com mais rapidez do que as munições automáticas reforçam esse conceito incessantemente. Depois, tem-se o elemento familiar, explorado no parágrafo anterior: imposto, nunca naturalizado. Por fim, há uma demanda política e econômica, que fala sobre o descaso global com o qual a parcela feminina da população, principalmente a mais carente, é tratada pelas autoridades, governos ou sociais. Vistas como descartáveis, com as quais ninguém se importa, formariam o contingente ideal para, quando captadas com um único objetivo, darem início a um exército silencioso e discreto, do qual só se teria notícia quando a ameaça que representa afinal se concretizasse. As viúvas, portanto. Uma lógica simplista, ainda que razoável. Mas de que adiante essa racionalização se a mesma está a serviço de um enredo que não pretende fazer uso do que tem em mãos? Basta observar o embate entre a protagonista e suas muitas semelhantes: ao invés de um épico tarantinesco (Kill Bill: Vol. 1, 2003, poderia ter sido a referência), o que se vê são closes e planos de detalhe, esvaziando o poder de tal encontro.

Em linhas gerais, Natasha, irmã e pais eram não mais do que russos inseridos no Ocidente com a desculpa de serem parentes, mas pouco tinham em comum. A convivência por mais de três anos, no entanto, não passou em branco, e laços se formaram. Décadas depois, quando descobre que o responsável por seu treinamento tem feito o mesmo com centenas de outras garotas como ela – e não mais apenas pela lavagem cerebral, mas agora através de substâncias químicas e biológicas – a Viúva decide ir até a fonte e desmembrá-la de uma vez por todas. No caminho, enfrenta exércitos em Budapeste, sobrevive à avalanches na Sibéria e invade uma fortaleza aérea. O vilão, vivido pelo talentoso Ray Winstone, tem pouco a fazer além do discurso vou-explicar-tudo-agora-apenas-para-lhe-dar-tempo-de-contratacar, e mesmo o soldado mascarado – um oponente que não chega a dizer a que veio – só será enigmático o bastante para aqueles na plateia que não prestarem atenção aos créditos de abertura. No fim, tudo foi não mais do que um caro, extenso e reiterativo passatempo. E o verdadeiro propósito dessa fanfarra, enfim, se dá depois, naquela cena – praxe dos Estúdios Marvel – que aparece somente após os letreiros de encerramento. É quando uma visita nem tão inesperada surge e o caminho se abre para uma esperada troca de cadeiras. Muito barulho, é fato. E por quase nada.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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