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Sinopse

Com seus 12 anos, Fanny é uma menina muito teimosa, mas é, sobretudo, uma jovem corajosa que, escondida num lar distante de seus pais, cuida das duas irmãs mais novas. Tendo que fugir precipitadamente, ela se coloca à frente de um grupo de oito crianças e inicia uma perigosa viagem através da França ocupada para chegar à fronteira suíça.

Crítica

Baseado em fatos reais, A Viagem de Fanny mostra os horrores da Segunda Guerra Mundial atravessando impiedosamente a infância de judeus obrigados a uma vida errante, longe dos pais. Diferentemente de outros filmes, que filtram as agruras de conflitos e/ou de períodos nefastos, como as ocupações e as ditaduras, por exemplo, pelo olhar pueril que acompanha tudo de fora, aqui as crianças são tragadas pela fúria nazista, enfrentando constantemente situações limítrofes. A cineasta Lola Doillon mescla aventura e drama de sobrevivência, não se esquecendo das minúcias históricas, até mesmo criticando abertamente o colaboracionismo francês, visto, aliás, como decisivo para a instauração das tensões vistas ao longo da trama. A protagonista é a menina Fanny (Léonie Souchaud), mais velha de três irmãs que, como outros tantos mais ou menos de sua idade, vive numa casa sob a proteção de gente abnegada, cuja oposição à intolerância se dá na esfera da solidariedade, na ajuda perigosa ao próximo.

Apesar de algumas convenções, como a descartável cena dos soldados pisando em ursinhos de pelúcia numa ocasião que, por si só, já exalava dramaticidade, A Viagem de Fanny é uma realização atenta aos detalhes, dos quais se desprende a relevância de um relato que choca o mundo dos adultos, então assombrados pela violência alemã, com o das crianças, que penam para entender o pandemônio. Aguentar a saudade dos pais se torna um problema diminuto diante de outras demandas, como acostumar-se às frequentes trocas de endereço, afinal o cerco nazista se fecha gradativamente, pondo em risco a integridade física dos judeus. Madame Forman (Cécile De France) é uma das mulheres que acolhe os infantes em sua residência, comprometendo-se totalmente. Logo percebemos, em virtude da concepção precisa da atriz, que a severidade dos atos é necessária, pois sem disciplina será impossível conduzir os pequenos à Suíça, onde provavelmente todos estarão relativamente mais seguros.

O sofrimento se agrava consideravelmente assim que contingências durante o deslocamento fazem de Fanny a líder, sem a supervisão de adultos. Doillon ressalta a tenacidade dessa menina instada a, do alto de sua maturidade atingida a fórceps, liderar os demais através de uma nação prostrada diante do conquistador. Aliás, é curioso notar a sintomática predominância da ameaça vinda dos próprios soldados franceses que guardam fronteiras, estações de trem ou algo que as valha. Claro, quando a língua e as fardas alemãs aparecem, tudo tende a piorar, mas existe, em meio à locomoção cada vez mais complicada dos jovens desamparados, com fome e desorientados, a intenção de colocar o dedo na ferida do colaboracionismo, algo tido como severo tabu na França. A Viagem de Fanny é, portanto, enriquecido por esse estofo bem desenvolvido à margem da narrativa principal, ou seja, dos contratempos encarados por Fanny e companhia para seguir adiante em busca de abrigo.

No que tange especificamente à protagonista, a carismática Léonie Souchaud possui um desempenho notável, sem o qual o filme certamente não alcançaria o resultado visto. Sua trajetória é a de um amadurecimento propiciado pelas circunstâncias. Imbuída de responsabilidade, a menina entende ser preciso manter-se firme e, inclusive, fornecer respostas, ainda que inconsistentes ou vagas, para manter elevada a moral dos menores. A Viagem de Fanny possui momentos muito belos, especialmente os que oferecem respiros à aflição, como a forma encontrada por um intermediário para fazer as crianças continuarem em marcha, transformando a caminhada penosa numa brincadeira divertida de bola. Lola Doillon se distancia de eventuais facilidades, apresentando um painel consistente da conjuntura francesa durante a Segunda Guerra, voltando-se aos, em princípio, menos preparados para tempos nefastos, a fim de louvar a coragem dos que seguiram em frente, preservando a vida.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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