Vermiglio: A Noiva da Montanha

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Sinopse

Vermiglio: A Noiva da Montanha se passa em uma aldeia no alto dos Alpes italianos, quando a guerra surge durante o ano de 1944 como uma ameaça distante, porém, presente. A chegada de Pietro, um soldado desertor, transforma a dinâmica familiar do professor local, mudando-a para sempre. Durante as quatro estações que marcam o final da Segunda Guerra Mundial, Pietro e Lúcia, a filha mais velha do docente, se apaixonam de maneira arrebatadora, o que desencadeia consequências inesperadas. Premiado no Festival de Veneza 2024.

Crítica

Curioso o fato da distribuidora brasileira ter optado por esse subtítulo para o lançamento no país do premiado longa da diretora Maura Delpero. Cineasta em ascensão – seu longa anterior, Maternal (2019), foi premiado nos festivais de Locarno e San Sebastian – ela agora atinge um outro patamar com uma história repleta de silêncios e trocas de olhares, gestos subentendidos e palavras deixadas pela metade que envolvem não apenas uma mulher, ou mesmo uma família, mas toda a comunidade do pequeno vilarejo estampado no título da produção. Pois é no norte da Itália, durante o ano de 1944, que a chegada de um estranho provoca ruídos por demais turbulentos para serem ignorados. Trata-se de um cenário desprovido de novidades e envolto por uma guerra que parece não lhes dizer respeito, mas que de uma forma ou outra terminou por lhes arrastar até ela. Assim, Vermiglio: A Noiva da Montanha se mostra disposto a um estudo mais amplo e profundo do que a dedicar sua atenção a apenas uma destas figuras, por mais que ela seja uma das afetadas pela narrativa. É o coletivo, enfim, que tanto provoca, quanto comove.

Escolhido como representante oficial da Itália no Oscar 2025 (chegou a ser indicado ao Globo de Ouro), Vermiglio se consagrou como o grande vencedor do David di Donatello (o ‘Oscar’ italiano), tendo sido premiado ao todo em sete categorias. Antes disso, ainda, havia recebido o Grande Prêmio do Júri Oficial no Festival de Veneza 2024 – ou seja, ficou em segundo lugar, atrás apenas de O Quarto ao Lado (2024), premiado com o Leão de Ouro – numa seleção que incluía ainda o brasileiro Ainda Estou Aqui (2024) e o norte-americano O Brutalista (2024), ambos indicados neste ano ao Oscar de Melhor Filme. Feitos que impressionam, mas em pouco preparam o espectador para aquilo com o qual esse deverá se deparar durante os quase 120 minutos dessa história contada sem pressa, mas atenta aos detalhes. Os homens observam, e se calam. As mulheres agem de forma discreta, e falam apenas entre si, ou quando chamadas ao debate. O estrangeiro assusta, mas também fascina. E os segredos que existem entre estes personagens são tão reais quanto as histórias que carregam e o futuro do qual não se mostram capazes de escapar.

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Como se percebe pelo ano no qual a trama é ambientada, a Segunda Guerra Mundial ainda não chegou ao fim. É neste contexto de apreensão que Pietro (Giuseppe De Domenico, de Euforia, 2018) aparece. Ele é um desertor, fugiu do campo de batalha acompanhado de um colega de armas, Attilio (Santiago Fondevila). Os dois estavam cansados de sofrer, de matar, de tanta fome, de escassez de propósito. A família do amigo é da região, e por isso junto a ele por lá decide se refugiar. Alguns o veem com desconfiança. Outros, com gratidão – afinal, é apresentado pelo rapaz local como seu “salvador”: “só estou vivo por causa do Pietro”, afirma Attilio. Lucia (Martina Scrinzi, premiada em Veneza como “Atriz Revelação” e indicada ao David), no entanto, o vê com outros olhos. Nele enxerga a promessa de novidade, de um futuro melhor, diferente do tanto de branco que identifica na neve que cobre tudo e todos ao seu alcance. Está em busca de excitação, e aquele homem parece ser capaz de proporcionar a ela o que tanto anseia. Os dois se apaixonam, se casam. E quando engravida, a guerra acaba.

Há um personagem de fora dessa rápida sinopse, e este é o professor Cesare (um impressionante Tommaso Ragno, de Lazzaro Felice, 2018). Sua atividade impõe respeito aos demais, autoridade em casa e confiança em qualquer julgamento. É quem recebe Pietro, concorda com o casamento do rapaz com aquela que é sua filha mais velha. E é também quem determina que, já em tempos de paz, o jovem deverá seguir até sua Sicília natal para avisar os pais que está bem, que sobreviveu, e somente depois voltar para a esposa e o filho que estarão lhe aguardando. Como em tantas outras coisas, nada sai como planejado. O patriarca tão repleto de certezas não entende os alunos, os filhos, a mulher que dorme ao seu lado todas as noites e muito menos o soldado que matou a mando de sei lá quem e sabe-se lá ao encontro de quem foi ordenado retornar. “É alimento para alma”, afirma o velho austero, quando questionado por qual motivo gastou o pouco dinheiro que a família possui em um disco de vinil, quando a comida é racionada e há poucas roupas ou mesmo camas para todos que abriga. O mundo, infelizmente para si, não é como gostaria que fosse. Vermiglio: A Noiva da Montanha aponta nos pequenos movimentos, nas decepções somadas e nas vontades engolidas que as mudanças podem até demorar, mas não deixarão de se manifestar.

Filme visto durante a 12a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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