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Sinopse

Um luto repentino leva uma mulher à beira da loucura. Trâmites funerários, calor e uma vizinha que vem regar as plantas, se juntam em um périplo emocional no qual é impossível distinguir o real do irreal.

Crítica

Uma mulher sozinha. Uma mulher desesperada. Sem saber para onde seguir, como continuar, para onde mirar seu próximo passo. Em terra e em lugar desconhecido, qualquer direção pode ser a mais apropriada – afinal, quando a confusão é tamanha, até os próprios conceitos de certo e errado se embaralham. O melhor é esquecê-los, e simplesmente viver o dia a dia. Cada instante, segundo, momento. Reaprender a andar, a se levantar, a viver. Esse parece ser o maior desafio da protagonista de Vergel, segundo filme assinado pela cineasta argentina Kris Niklison, que o apresentou na mostra competitiva de longas brasileiros do 45o Festival de Cinema de Gramado. Um título que chegou nos últimos minutos, quase de susto, e assim deixou grande parte do seu público. Digeri-lo não é tarefa fácil, e nem sempre recompensada à altura do esforço exigido. Mas ao menos ganha pontos por sua inquietude e vibração.

Camila Morgado, enfim voltando ao terreno do drama que lhe parece tão mais aprazível, depois de anos se envolvendo em comédias descartáveis que pouco lhe acrescentaram enquanto exercício artístico, como a trilogia campeã de bilheteria Até que a Sorte nos Separe e o romântico Bem Casados (2015), é essa mulher, sem nome nem destino. Perdida em Buenos Aires, não sabe o que fazer na situação em que se encontra – uma na qual não se deve desejar nem ao seu pior inimigo. Em férias pelo país vizinho, perdeu o marido, que veio a falecer em um acidente. Precisa, agora, esperar por toda a burocracia até a liberação do corpo e, com ele, a possível volta ao Brasil. Enquanto isso, passa seus dias trancada dentro do apartamento na capital portenha emprestado por uma amiga. Ela, as paredes coloridas e as plantas que abundam na sacada.

Niklison afirmou em entrevistas que o apartamento usado para as filmagens não era cenográfico – tudo foi feito em locação – e tinha apenas 39 metros quadrados. O mesmo espaço se duplicava com a área externa, se debruçando por uma movimentada avenida e com uma impressionante vista da cidade. Neste outro ambiente, a vida pulsa: a vegetação está por todos os lados, e tanto oprime quanto possibilita um respiro, em uma relação propositalmente contraditória. Já o interior é limitado, conciso, estreito. As paredes vão do vermelho sangue ao amarelo sol, denotando uma energia que parece ter se esvaído daquela ex-mulher. Afinal, é isso que ela é quando a encontramos: ex. Nesse processo de se reencontrar, há o homem inconveniente que reclama da tequila – confundindo-a com a proprietária do local – e a vizinha do andar de baixo, que se oferece para cuidar das plantas, da casa e, quando menos esperamos, até da momentânea inquilina.

Elas não são lésbicas – ou talvez sejam justamente isso. Nada, portanto, é consciente. Enquanto aguarda por um telefonema, a mulher se dispõe a aproveitar o que o destino lhe oferece em sua porta. Experimenta, sem culpa nem arrependimentos. Talvez a mudança de foco pareça um tanto forçada, instantânea demais. A diretora, no entanto, buscava justamente isso: o luto não vivido, não sofrido, não encarnado. Persegue a vida, não a morte. São escolhas que chocam, causam estranheza, provocam incômodo. Nem sempre se acomodam de forma apropriada. Mas também não são óbvias. E investir na ausência de previsibilidade e no ousado é sempre um bom começo. Claro, é preciso consistência para sustentar estas opções. Algo que nem sempre se encontra a contento.

Dono de um elenco irregular – Morgado está totalmente entregue à personagem, revelando até mais do que o necessário, enquanto que sua colega Maricel Álvarez (Minha Amiga do Parque, 2015) vai da comicamente inadequada à exageradamente romântica, sem achar o tom justo que a narrativa exige – e conduzido por uma diretora visivelmente mais preocupada com as emoções e sentimentos que suas imagens poderão emular, e não somente com a ordem dos acontecimentos – e nem mesmo suas veracidades – Vergel é um filme que começa mirando em Roman Polanski e acaba acertando em Pedro Almodóvar. Curioso, com certeza. Nem sempre feliz, é fato. Mas com algo a ser dito, e dessa verdade ninguém poderá ficar indiferente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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