Crítica


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Sinopse

Luísa sofre por conta da difícil convivência com os colegas nos bastidores de uma campanha política para prefeito.

Crítica

Para chegar ao poder ou se manter nele, candidatos a cargos eletivos tentam convencer de que são dignos de confiança e voto. Os programas eleitorais televisivos são parte fundamental desse processo de sedução, sobretudo tendo em vista a importância da TV no Brasil. Vai Melhorar começa com Luísa (Cássia Damasceno) emprestando sua voz, seu corpo e sua ancestralidade ao prefeito que almeja a reeleição. No entanto, o principal atributo do curta-metragem de Pedro Fiuza não é o que a garota-propaganda diz, mas o que essa mulher vivencia nos bastidores das gravações. O mandachuva do set é impaciente, a equipe reproduz esse nervosismo, mas dá para perceber nas entrelinhas de ações simples que a protagonista é estranha àquele universo, não por ser atriz, mas por ser uma mulher negra. Embora o realizador não escancare as tensões, elas são plenamente identificáveis em momentos específicos, como quando homens assediam uma desconhecida. Logo depois, a própria Luísa se vê diante dos rapazes com pinta de agroboys que são hostis à sua presença passageira.

Vai Melhorar contém choques comuns no Brasil da atualidade. São muitos os assuntos para situar nos cerca de 15 minutos do curta. E Pedro Fiuza faz uma espécie de colagem dispersa dessas situações sintomáticas. Falta naturalidade às transições, bem como aos diálogos expositivos. As falas são excessivamente empostadas, sobretudo em determinadas passagens, como a da leve indisposição de Luísa com o colega no bar. Prevalece o texto duro e a encenação um tanto abrupta de questões que atravessam o filme integralmente. A protagonista se irrita com a pergunta sem noção do homem, mas a rigidez da cena deixa expostas as marcas e, assim, abre espaço à noção crescente de artificialismo. Entre os assuntos meramente mencionados, mas não desenvolvidos, está a alienação da equipe que pensa no segundo turno somente como possibilidade de ganhar dinheiro por mais tempo. Não há a construção da atmosfera opressiva, mas a verbalização de tristezas, dúvidas e decepções. Cheio de boas intenções, o filme enfraquece seus vários discursos ao fragiliza-los constantemente.

Talvez por conta do desejo de abordagem ampla, Pedro Fiuza não expanda os assuntos. São poucas as imagens com dimensão retórica forte. Luísa estampando o cartaz colado sobre a imagem do carro (que simboliza o homem no poder) é fortemente carregada de ironia. Por isso, é uma exceção que confirma a regra. A apropriação do semblante da mulher negra para passar à comunidade uma ideia de diversidade e respeito esbarra nas palavras anteriormente sussurradas do candidato que se refere à atriz pejorativamente como “negrinha”. É um dos raros instantes em que a ideia não é esmiuçada, pois sugerida para desvendar as tantas dores da trabalhadora afastada da família e afrontada pelas regras do jogo que a permite subsistir financeiramente. Porém, falta até espessura dramática para que os personagens sejam mais do que peças arquetípicas dispostas ao bel prazer do sistema que finge querer mudanças para que tudo fique sempre igual.

Outra boa ideia desdobrada insuficientemente é o dilema moral da protagonista. Ela é obrigada a escolher entre a segurança financeira (às custas da vista grossa) e o gesto transformador de coragem. No entanto, para que o impasse tivesse a carga dramática que Pedro Fiuza evidentemente almeja, seria preciso ao menos duas coisas: 1) que soubéssemos um pouco mais de Luísa, não bastando ela ser caracterizada como alguém que precisa ir longe para sustentar a sua pequena; 2) que tivéssemos um pouco mais do candidato, ou seja, da ideologia contra a qual ela pode se rebelar em busca de uma justiça social tardia, mas ainda assim importante. Vai Melhorar passa também rapidamente pela associação entre a atriz e as empregadas à cozinha – as únicas outras figuras negras do filme –, e não utiliza a identificação dos alienados da equipe de produção como uma aliada de sua leitura amarga. Em suma, a intenção do curta-metragem é realmente ótima, a de denunciar a apropriação dos discursos afirmativos apenas por motivos eleitoreiros. Entretanto, a execução deixa a desejar.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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