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Sinopse

Santa Radegunda, Áustria, 1939. Franz e Fani levam uma vida feliz em uma casa no campo, até serem surpreendidos com a convocação dele para servir ao exército de Adolf Hitler, que acabara de invadir o país. Contrário aos ideais nazistas, Franz se recusa a atender ao chamado. Com o tempo, ele e sua esposa passam a sofrer preconceito dentro da própria comunidade em que vivem.

Crítica

Poucos diretores têm uma assinatura cinematográfica tão escancarada quanto Terrence Malick, e quem assistiu a qualquer um de seus filmes a partir do icônico A Árvore da Vida (2011) sabe bem disto. Desde então, o ainda recluso diretor não abre mão de suas narrativas um tanto quanto etéreas que sempre resvalam na religião, povoadas por questionamentos filosóficos e paisagens deslumbrantes. Uma Vida Oculta, seu longa mais recente, também é assim.

Entretanto, mais que apenas exercitar a forma como enxerga o cinema, aqui Malick consegue melhor conjugar sua técnica com a história que pretende contar. A começar pela abertura no formato quadrado, em preto e branco, resgatando imagens de época de paradas com Adolf Hitler, personagem essencial nesta narrativa pelo que representa no âmbito social e histórico. Afinal de contas, o que Malick deseja contar é a história real de um homem, austríaco, que se recusou a lutar pelo exército alemão em plena Segunda Guerra Mundial - e, pela decisão, assumiu as consequências.

Além de relembrar o espectador sobre o quanto Hitler era idolatrado em sua época, provocando um contrasenso moral entre o que se vê e o que se sabe sobre o futuro próximo, Malick se apropria de tais imagens de forma a promover um contraste visual, quando os limites da tela se alargam e enfim se alcança o widescreen. A fotografia paisagística do diretor, uma vez mais explorando belos cenários naturais com seu ângulo de câmera tão particular, surge de forma arrebatadora para, também, minimizar tamanha glorificação prévia. Goste-se ou não de seu estilo, Malick não abre mão de ser um diretor cujos trabalhos crescem se vistos em uma sala de cinema, e este é mais um destes casos.

Estabelecida (e absorvida) tal dicotomia visual, Uma Vida Oculta pode ser dividido em dois trechos bem distintos. No primeiro deles o enfoque é todo na vida no campo, com a típica fala curta pausada entremeada por cenas bucólicas envolvendo o casal protagonista, muitas vezes acompanhado através da câmera na mão. Logo a seguir, com a prisão do personagem principal, a fotografia ganha tons mais escuros e claustrofóbicos, uma vez mais transmitindo o desenrolar narrativo de forma visual. Da mesma forma, as conversas são substituídas por reflexões acerca deste mundo em guerra, algumas até mesmo ingênuas. "O que houve com o nosso país, com a terra que amamos?" Assim é Malick.

Por mais que haja toda uma concepção visual por trás desta narrativa, Uma Vida Oculta de forma alguma possui história suficiente para sustentar longos 174 minutos. Superado o impacto inicial, o filme caminha rumo à repetição exaustiva de seus próprios vícios de linguagem, especialmente quando migra para ambientes mais intimistas e opressores. Este é, também, o custo de assistir a um filme do diretor, tão exigente quanto rigoroso em relação ao cinema que se propõe a fazer. Para o bem e para o mal.

Filme visto no Festival do Rio, em dezembro de 2019.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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