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Sinopse

Abbas é um professor africano que deixou seu país para ficar longe da guerra civil que assolava a África Central. Junto com seus dois filhos, partiu para a França buscando um recomeço, e lá pediu asilo político. Ele se apaixona por Carole, que oferece teto e comida para Abbas e seus filhos. Após dois anos de espera, o pedido foi rejeitado pelo governo, e prestes a ser expulso do país, eles precisam tomar uma difícil decisão.

Crítica

Abbas caminha por uma floresta, até que acorda num sobressalto. Era apenas um sonho – ou seria uma forte lembrança? Ele ouve um barulho, e ao se levantar encontra a esposa, parada no meio do corredor. Ao invés de ir até ele, no entanto, ela se vira na direção contrária. Ele a segue, mas não a encontra. Nem na sala, na janela, na sacada ou na cozinha do amplo lugar onde moram, mas não habitam – estão apenas de passagem. Afinal, aquela não é mais a mulher dele. Aquele também não é seu apartamento. E nem aquele país o pertence. Sua vida está estacionada, sem saber para onde ir e nem como voltar. Ele está vivendo Uma Temporada na França, e, como o título já anuncia – o batismo nacional é uma tradução literal do original em francês – essa tem data para acabar. E se a previsibilidade marca o desenrolar da trama, aí está o seu maior mérito: não no destino, mas no caminho que percorre até lá.

Você já ouviu falar da República da África Central – como se referem no filme – ou República Centro-Africana – como é mais comum encontrar referências no noticiário? Localizada, literalmente, no centro do continente africano, faz fronteira com o Chade, Sudão, Sudão do Sul, Congo e Camarões. Colônia francesa desde o século XIX, conquistou a independência apenas em 1960. A primeira eleição democrática foi em 1993, mas logo um golpe de estado deu início ao caos. Em 2004 teve início a Guerra Civil, e apesar de sucessivos tratados de paz serem assinados, o país continua assolado por conflitos étnicos e deslocamentos populacionais massivos. Como o que obrigou Abbas e sua família a fugir em busca de uma vida melhor. No percurso, sua companheira foi morta, e restou somente ele e os dois filhos, um menino e uma menina. Agora, já na França, tenta reconstruir sua vida e daqueles que dele dependem. Mas será possível?

Assim que chegou ao país, pediu repatriamento, mas foi negado. Tentou asilo político, e apelou até para a condição de refugiado. Todas as solicitações foram recusadas. Não há mais o que fazer: precisa voltar. Mas retornar para onde? Estamos longe do humor visto em O Terminal (2004), de Steven Spielberg, em que um imigrante se vê preso em um aeroporto por não ter mais nação para voltar, já que essa simplesmente deixou de existir. O drama de Abbas é maior, mais urgente e, principalmente, real. É o desespero vivido por milhares de pessoas ao redor do mundo. Essa condição – chamada de temporária, por mais que pareça ser permanente – recebeu um olhar mais pontual em Human Flow (2017), de Ai Weiwei. Mas o viés assumido era o do registro documental, praticamente sem interferência além da observação. Uma vez no âmbito da ficção, a dramatização dos fatos ganha uma nova força – não de menor impacto, e nunca fantasiosa. Apenas diferente e, com isso, acionando outros aspectos de reflexão.

Eriq Ebouaney tem longa carreira em Hollywood – marcou presença em sucessos como Cruzada (2005), com Orlando Bloom, e 3 Dias para Matar (2014), com Kevin Costner – porém sempre como coadjuvante. Uma Temporada na França é uma das suas primeiras oportunidades como protagonista, algo que desempenha com desenvoltura. Abbas é carinhoso com os filhos, comprometido com o emprego – trabalha no mercado público de Paris, chegando todos os dias às 4h da manhã – e atencioso com o amigo Etienne (Bibi Tanga), refugiado como ele, e com a namorada (Sandrinne Bonnaire, de Mulheres Diabólicas, 1995). Porém, está no seu limite – é confrontado pela ausência de um cenário mais positivo pelas crianças, pela desesperança que toma conta do velho parceiro de lutas, pela demanda de mais confiança na mulher que agora o ama. O ator consegue transmitir essa miríade de sentimentos apenas no olhar, apostando em poucas palavras e na contenção dos gestos. É uma escolha arriscada, mas que ganha efeito frente a uma postura que está sempre no domínio da situação, por mais adversa que essa seja.

Há muitos pontos de interesse em Uma Temporada na França. Os desejos infantis, abafados por uma realidade adulta dura e cruel. A possibilidade de um novo amor, estremecida diante da imparcialidade da lei e das injustas obrigações sociais. O desamparo de quem já perdeu suas esperanças e está disposto a recorrer à medidas mais drásticas num grito de socorro. A França usou e abusou da África – assim como muitos dos seus vizinhos europeus – e, agora que se vê sem saída, expulsa esses filhos sem pátria nem mãe. Há um comentário forte por trás do que aqui é visto, e o diretor e roteirista Mahamat-Saleh Haroun – ele próprio nascido em Chade – não faz questão nenhuma de esconder tal protesto. Mas o faz sem atropelos, quase calado, deixando que as imagens – e a falta dessas – falem por si. E o silêncio, como se sabe, pode ser ensurdecedor.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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