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Sinopse

Maud é uma cineasta que precisa lidar com os novos limites de seu corpo após sofrer um derrame cerebral. E durante a pré-produção de seu mais novo filme, ela desenvolve uma estranha relação com um ator.

Crítica

Maud Schoenberg é uma profissional bem-sucedida. Cineasta de sucesso, encontra-se num ponto de sua carreira em que somente novos desafios podem lhe representar motivação suficiente para abandonar um eventual estado de estagnação. Porém, o conforto é amigo dos mais traiçoeiros, que tanto agrada que chega a estragar, destruindo caminhos e impedindo novas experiências. Visando esse futuro assustador, a artista decide se reinventar através de uma aposta ousada: a vivência de outros. No caso, fala-se de Vilko Piran, um ex-presidiário transformado em celebridade após um golpe milionário que o colocou no topo das manchetes. Sua força, esperteza e vitalidade deverão servir de apoio para ela. Mas quem está no comando deste jogo de duas vias é um mistério que não será solucionado até o último instante.

Assim se desenha a trama básica de Uma Relação Delicada, título acomodado e conformista do original Abus de Faiblesse, que seria melhor traduzido como Abuso de Vulnerável. Vilko entra no radar de Maud quase que por acaso, após um ataque sintomático que a deixa parcialmente paralisada. Enquanto vai se exercitando para recuperar os movimentos, começa a desenvolver a ideia deste novo projeto, em que o golpista servirá tanto de inspiração quanto de matéria prima, atuando como ator de sua própria história. O envolvimento entre os dois, no entanto, logo ultrapassará as barreiras do profissionalismo, e enquanto uns verão nela uma senhora cortejada por um homem ainda viril e decidido, outros perceberão um aproveitador visando iludi-la a partir de uma situação frágil e sem defesas.

A relação entre eles, como pode-se ver, é de fato delicada, mas quem abusa de quem? E quem é o mais vulnerável? A intelectual ou o força bruta? A ingênua ou o malandro das ruas? A dinâmica dessa troca aos poucos começará a exercer influência também naqueles próximos, como a esposa dele ou a filha dela, e cada um tentará contribuir ao seu modo, seja para evitar uma tragédia maior ou para causar um dano definitivamente irreversível. A vítima, seja ela ou ele, estará tão cega graças ao seu envolvimento com o outro que será levada a um ponto de desespero e desesperança que será difícil evitar um desenlace ainda mais danoso.

É fácil perceber o que deve ter atraído uma atriz do gabarito de Isabelle Huppert a um projeto como esse. No entanto, há uma longa distância entre as palavras colocadas num roteiro e a verdade que se vê na tela. Huppert, impossibilitada de se apropriar da personagem devido aos limites impostos pela realizadora, acaba virando um joguete nas mãos dessa, que a desperdiça justamente nas passagens mais problemáticas. Quem acaba se saindo melhor é Kool Shen (nome de batismo Bruno Lopes), rapper e produtor francês com histórico quase insignificante no cinema até então. Como contraponto bruto ao pesar cerebral da intérprete feminina, ele provoca e incomoda na mesma medida, surpreendendo justamente por ser aquele de quem nada se espera.

A diretora e roteirista Catherine Breillat, acostumada a fazer uso da pornografia em filmes como Romance (1999) e Sex is Comedy (2002), faz de Uma Relação Delicada talvez seu filme mais impessoal e contido. Sem ter como investir em uma ousadia gráfica e visual, ela parte para uma verborragia inconsistente, que serve mais para afastar o espectador do desenrolar da trama do que promover uma identificação com seus medos e dilemas. A dependência que se desenvolve entre os dois protagonistas é quase inexplicável, e as ações que passam a ditar o rumo das negociações entre eles são tão aleatórias que fica complicado torcer para um ou outro lado. A discussão proposta é interessante, e poderia possibilitar diversas leituras. Porém, na forma como é apresentada, tudo que provoca é a indiferença resultante de tantos absurdos já sem efeitos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
4
Ailton Monteiro
5
MÉDIA
4.5

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