Crítica
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Sinopse
Um homem com quase 600 anos de idade acompanha a história do Brasil, enquanto procura a ressurreição de sua amada Janaína. Ele enfrenta as batalhas entre tupinambás e tupiniquins, antes dos portugueses chegarem ao país, e passa pela Balaiada e o movimento de resistência contra a ditadura militar, antes de enfrentar a guerra pela água em 2096.
Crítica
“Quem não conhece seu passado não terá como viver o futuro”. Com essa frase como inspiração, o diretor Luiz Bolognesi estreia na ficção com Uma História de Amor e Fúria, projeto original e praticamente inédito no cenário cinematográfico nacional. Afinal, trata-se de um longa-metragem de animação adulto, que faz poucas – ou nenhuma – concessões ao narrar a história brasileira num espectro de mais de cinco séculos, do descobrimento e início da colonização do país nos anos 1500 até 2096, quando a saga do protagonista dá um novo salto circular, remetendo-nos ao início de tudo. Este personagem é um guerreiro imortal que sobreviveu durante todo esse tempo como um espírito de luta, porém sempre no lado do mais fraco, como ele mesmo admite a certo ponto. É um observador presente e ativo dos principais episódios que construíram o Brasil, e que justamente por isso busca revelar o outro lado, o não oficial, a versão daqueles vencidos e oprimidos, e não a dos que sobreviveram para narrar os fatos de acordo com a sua própria interpretação.
Um guerreiro tupinambá, ao lado de sua amada Janaína, é acuado por uma onça no meio da selva, à beira de um precipício. Sem ter escapatória, decide pular, com a moça agarrada ao seu pescoço. Ao invés da morte certa, no entanto, ele consegue voar, salvando-os. Esta manifestação de coragem passará a acompanhá-lo, conferindo-o uma imortalidade. Ao mesmo tempo, verá sua tribo ser dizimada pelos portugueses que aqui vieram se instalar, fundando, no local da aldeia, a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro. Duzentos anos se passam, e agora morando no interior do Maranhão, este mesmo homem, após ter virado pássaro, deixa de ser índio e assume a forma de um negro, que mais uma vez se casa com Janaína e, com ela, tem duas filhas. Mas a opressão e a violência do governo irá levá-lo a se tornar um dos líderes rebeldes da Balaiada, uma das revoluções populares mais marcantes do século XVIII. É neste combate que, após milhares de mortos que lutavam por justiça e igualdade, surge o Duque de Caxias, patrono do exército nacional e figura admirada até hoje. Este é o nosso protagonista, alguém que levou a vida combatendo aqueles que terminavam ganhando estátuas em suas homenagens.
Estamos no lado dos fracos, e esta sina continua em 1968, quando o jovem embarca na luta armada contra a ditadura militar. Nesta etapa Janaína está apaixonada por Júnior, outro rebelde, mas sabe que existe algo forte entre ela e aquele misterioso rapaz recém chegado. O triângulo amoroso começa a se desenhar, mas a perseguição dos milicos, a prisão, o exílio e até a anistia tentarão afastá-los um do outro. Mas o destino deles estará ligado para sempre, e assim será no final do século XXI, neste Rio de Janeiro futurista em que a água virou uma preciosidade controlada pela megacorporação Aquabrás e contrabandeada por aqueles em desvantagem social. A luta continua. E o final segue sendo não muito feliz. Neste ponto a reflexão se faz necessária: o importante, aqui, é a vitória ou seguir lutando?
Há muitos méritos em Uma História de Amor e Fúria. No entanto, eles estão mais concentrados em seu posicionamento histórico e educativo do que na mera discussão fílmica. Não há humor – elemento constante do gênero animado – nem finais felizes. Por outro lado, há sexo, nudez – frontal, masculina e feminina – violência, canibalismo, estupro, assassinato, brutalidade. Bem como, aliás, estes eventos devem ter se desenrolados. Portanto, o que se percebe é um cuidado no relato, buscando uma precisão raras vezes experimentada antes. É de se indagar, no entanto, como o público irá reagir a tamanha objetividade e firmeza no discurso.
Outro ponto de destaque no projeto é o seu elenco de dubladores. Rodrigo Santoro, mesmo aparecendo de forma secundária, demonstra mais uma vez sua excelência, alternando tipos rebeldes, orgulhosos e selvagens, porém sinceros em suas intenções e seguros de que seus esforços apontam para o melhor caminho. Ele não aparece em vilões simplistas – muito pelo contrário, uma análise mais detalhada até o livraria de tal rótulo. E tudo isso apenas com a voz. Camila Pitanga é a principal figura feminina, e todas as personagens que defende – a índia, a cabocla, a estudante ou a prostituta – possuem algo em comum, ainda que essa composição não seja óbvia. O ponto fraco, no entanto, acaba sendo Selton Mello, ator versátil e talentoso, mas que aqui parece ter ficado refém da amplitude do seu protagonismo. Sua performance acaba sendo monocórdia, sem levantes ou exaltações, e essa igualdade, ainda que fosse um objetivo, não colabora nesta criação que deveria ser forte e memorável.
Uma História de Amor e Fúria é uma obra digna de uma cinematografia adulta e ambiciosa, e por isso merece ser vista com respeito e curiosidade. Se alguns pontos são assumidamente ingênuos e se a técnica destoa do perfeccionismo hollywoodiano ao qual estamos acostumados, por outro lado há muitos ganhos, principalmente por proporcionar um olhar a nós mesmos, tanto no ontem cheio de falhas quanto em relação ao amanhã que está sendo construído. É um trabalho de grande beleza estética, com um profundo cuidado artístico e, ainda que não seja desprovido de alguns deslizes, se levanta e posiciona diante sua importância. Brasileiro, como todos nós, afinal.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Edu Fernandes | 7 |
Chico Fireman | 6 |
Francisco Carbone | 5 |
MÉDIA | 6.3 |
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