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Sinopse

Marina Lima é uma mulher à frente do seu tempo e uma artista experiente com uma bagagem de mais 40 anos de carreira. Marina empresta sua voz para protestar pelos anseios de diversas gerações e este documentário retrata sua vida, a partir de um vasto material que acompanha a trajetória da artista, suas escolhas e mudanças, bastidores de shows, referências, parcerias e processo criativo.

Crítica

Haveria diversas maneiras de abordar a carreira de Marina Lima. Como o filme tem sua primeira exibição dentro do Festival Mix Brasil, talvez o foco se desse na homossexualidade da cantora, vista como ativista da causa LGBT. Ela poderia ser descrita enquanto símbolo da fusão entre o MPB e o pop, dentro de uma geração particular de cantoras cariocas, ou ainda enquanto artista que transformou sensivelmente se estilo musical em mais de quarenta anos de carreira. Mesmo a história linear da personagem poderia ser citada: a primeira canção gravada por Gal Costa nos anos 1970, a participação em festivais de música, o afastamento temporário das gravações durante os anos 1990, por problemas pessoais.

Ora, nenhum desses aspectos interessa ao diretor Candé Salles. A princípio, a abordagem escolhida possui potencial, ao registrar o trabalho de Marina em estúdio, compondo e discutindo cada arranjo com sua equipe. O caráter de making of poderia evitar a idealização e reforçar o viés da artista enquanto criadora, ao invés de apenas performer, estabelecendo uma intimidade benéfica ao espectador. No entanto, passadas as primeiras cenas em estúdio, com baixa qualidade de captação de imagem e de som – justificadas pelo tom de intimismo, como numa “filmagem entre amigos” -, o documentário se lança numa sucessão de fragmentos da vida da cantora, ora focados no estilo de cada álbum, ora restritos a uma inesperada sucessão de anedotas pessoais.

Uma Garota Chamada Marina chama atenção pelo roteiro desestruturado, com dificuldade em estabelecer prioridades, ou mesmo uma linha narrativa. Um entrevistado sugere que a artista abriu porta para diversas mulheres se sentirem mais livres. A afirmação é potente, e poderia construir uma complexidade psicológica importante caso fosse fundamentada. No entanto, a afirmação fica solta dentro do filme, sem estabelecer relação com as cenas anteriores ou posteriores. Outro depoimento sugere que Marina constitui muito mais do que uma cantora: “Ela veio ao mundo para ajudar muita gente”. Novamente, a frase não justificada se torna retórica, mera ferramenta de valorização. Enquanto isso, o roteiro de 71 minutos encontra espaço para mostrar as sessões de acupuntura do cachorro, a curiosidade de Marina ter apresentado Letrux ao futuro marido desta e o discurso de aceitação de Antônio Cícero, irmão da protagonista, na Academia Brasileira de Letras.

Fica-se com a impressão de que estes trechos dispensáveis – aos quais se juntam uma vinheta turística de Berlim e cenas de uma festa, com a câmera girando desconfortavelmente pelos rostos dos convidados – foram acrescentados na intenção de se atingir a mínima duração necessária para um longa-metragem. Os depoimentos de Marina, em preto de branco, poderiam ser melhor explorados (não apenas narrativamente, mas também esteticamente), assim como as apresentações no palco, representadas por fragmentos curtos demais. A qualidade muito baixa da filmagem de shows remete a uma colagem de vídeos que não foram concebidos, inicialmente, para fazerem parte do mesmo projeto, como se gravações amadoras de diferentes câmeras tivessem sido aglutinadas na intenção de formar uma homenagem à protagonista. A qualidade do som é tão deficiente que o cineasta introduz legendas em vermelho para trechos esparsos, de modo a sublinhar a deficiência sonora.

Além disso, o documentário evita tocar em qualquer aspecto mais sensível, a exemplo da transformação da voz da cantora ao longo dos anos, as críticas negativas a certos álbuns, sua sexualidade ou os problemas pessoais que nunca foram realmente escondidos pela artista. Existe um pudor notável em abordar atritos, mas também um desinteresse em efetuar um percurso histórico, e uma preocupação ainda menor em criar novas cenas, de melhor qualidade estética, para compor o resultado final. Resta a sensação de que o filme se contentou com o material à disposição, perdendo a oportunidade de honrar o percurso politizado e complexo de uma grande artista. Quando se deixa de lado a inserção de Marina dentro do cenário musical brasileiro, porém se frisa o processo de escolha de um novo penteado, percebe-se que o projeto passa muito longe do essencial.

Filme visto no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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