Crítica


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Sinopse

Bart é um jovem escritor em crise. Ele perde a esposa após uma crise de saúde mental, e para piorar, fica sem emprego. Em consequência, é obrigado a morar na garagem do melhor amigo. Sua vida se transforma quando conhece Vienna, uma jovem que esconde grandes segredos. Os dois se apaixonam, mas ela avisa que, em breve, precisará ir embora para sempre.

Crítica

Durante pelo menos trinta minutos, Um Fim de Semana Prolongado (2021) desperta a aparência de um romance clássico: um garoto tímido com traumas afetivos encontra outra garota reservada, repleta de cicatrizes do passado. Eles ficam juntos à tarde, e depois, à noite também. No dia seguinte, percebem estar apaixonados. A estrutura boy meets girl se reproduz com num equilíbrio entre a comédia e o drama: sabemos que ambos enfrentaram rupturas, além do câncer de suas respectivas mães. No entanto, estão dispostos a evocar estas e outras dores de maneira leve, brincalhona e autodepreciativa. O roteiro escrito pelo cineasta Steve Basilone depende quase exclusivamente dos diálogos para avançar: ora o protagonista Bart (Finn Wittrock) conversa com a amada Vienna (Zoe Chao), ora com o melhor amigo Doug (Damon Wayans Jr.) e a proprietária de seu apartamento, Patricia (Wendi McLendon-Covey). Todas as interações são marcadas por provocações amigáveis e piadas de duplo sentido, em impressionante velocidade. Não se espanta que o autor tenha se consolidado nas comédias, a exemplo do roteiro da série Community (2011-2013).

No entanto, uma reviravolta fantástica surge abruptamente para romper com a aparência plácida até demais. Visto que esta constitui a única singularidade e ousadia do longa-metragem, seria desonesto revelá-la aqui. Basta dizer que Vienna confessa a Bart um fato inesperado de sua personalidade, algo possível apenas no mundo dos sonhos. O absurdo se converte então em prova de amor: mesmo sem acreditar por completo na confissão da garota, o jovem decide continuar com ela, apoiando-a em seus objetivos. Algumas cenas adiante, Doug verbaliza um ensinamento a respeito da necessidade de oferecer suporte a quem se ama, apesar das dificuldades. Assim, Basilone encontra um obstáculo alternativo ao romance tradicional: enquanto alguns filmes ameaçam o futuro do relacionamento através de uma doença letal, da diferença de classe social ou da necessidade de viverem em diferentes países, o diretor encontra um conflito digno de Além da Imaginação. Seja como for, Bart e Vienna não poderão conviver por muito tempo, razão pela qual os encontros descompromissados pelas ruas de Los Angeles se tornam ainda mais intensos, e também melancólicos. A experiência se articula no teor agridoce tão comum às produções indies, quando as alegrias soam efêmeras, e os personagens sabem que, no fundo, precisarão voltar às suas vidas miseráveis em breve. Tristeza não tem fim, felicidade, sim.

A inserção do elemento fantástico na narrativa merece destaque. Um Fim de Semana Prolongado incorpora a magia sem romper com o naturalismo: Vienna possui capacidades improváveis para um ser humano em 2021, em contrapartida, evita fazer uso espetacular destas habilidades. Se ela habitasse um blockbuster, talvez tentasse destruir o mundo, alternar o rumo da História, tirar algum proveito pessoal de sua singularidade. No entanto, a vida segue imperturbável: ninguém suspeita de seu segredo, e a garota nunca interage com nenhuma outra figura além de Bart. Em determinado momento, lembra uma amiga imaginária, uma ilusão criada pelo sujeito depressivo que recusa um tratamento psiquiátrico adequado. Em sua proximidade da ficção científica, o roteiro evita a introdução de traquitanas ou a exploração concreta da ciência, preferindo somente afirmar a presença do antinatural, sem fornecer provas disso. Este seria o equivalente de sugerir que tal personagem é um extraterrestre, ou que outro nunca envelhece, dispensando comprovações. A relação com o espectador se converte num ato de fé: precisamos acreditar na palavra destas pessoas para quem até a magia é agridoce, simples, pouco empolgante. 

Enquanto isso, o cineasta emprega o arsenal típico desta forma de produções independentes: a câmera na mão levemente tremida, ajustando-se ao rosto e corpo dos atores em aparência de despojamento; a luz natural (os dias são nublados, banais); a intromissão eventual de trilha sonora indie pop e indie folk pautando momentos especiais na curta convivência dos amantes. As belezas se revelam tão funcionais quanto óbvias: Bart e Vienna brincam com fogos de artifício num parque ao pôr do sol; assistem a uma chuva de meteoros; dançam dentro do quarto; imitam celebridades e animais. Ambos riem e fazem sexo com frequência. O idílio é prejudicado pela certeza do final iminente, mas enquanto estiverem lado a lado, o universo ao redor se interrompe: Bart nunca inicia o trabalho para o qual vem de ser contratado, nem passa tempo na garagem onde foi acolhido; e Vienna jamais manifesta pressa em retornar, apesar do prazo para ir embora. Os amigos existem unicamente para comentar o amor de Bart, sendo desprovidos de conflitos próprios (os dilemas de Patricia com os locatários, e aqueles de Doug com os filhos, se convertem em desculpas para encerrarem as cenas quando o amigo ainda deseja conversar). O mundo existe para a dupla, apenas — talvez seja esta a fantasia central do filme.

Ao menos, para um projeto de ambições modestas e orçamento limitado, o resultado cumpre bem aquilo a que se propõe. Nenhum ator se mostra particularmente talentoso, nem desconfortável com esse registro: Finn Wittrock e Zoe Chao sabem trabalhar a sedução em palavras, navegando de maneira satisfatória entre a comédia e o drama. A direção possui evidente timing cômico, em conjunção com a montagem que contribui ao ritmo fluido deste humor gentil. A grandiosa transformação na vida do casal será invisível aos olhos alheios, razão pela qual Basilone a trata como segredinho sem importância, um devaneio íntimo. O principal interesse se encontra, portanto, na brincadeira entre proporções: a partir de um fato grandioso, desenha-se um romance trivial entre dois sujeitos médios. Em outras palavras, concebe-se a possibilidade do superpoder apenas para deixá-lo de lado e insistir que uma aventura amorosa de alguns dias seria muito mais interessante do que qualquer descoberta tecnológica. Há uma singela ousadia nessa simplicidade, além de uma astúcia de roteiro e mise en scène, capazes de transformar a obra num projeto tão singular quanto repleto de fórmulas, ao mesmo tempo. Além disso, ele encontra uma solução orgânica para representar a fantasia a partir de um orçamento limitado: os criadores sabem se adequar às ferramentas que possuem em mãos.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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