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Sinopse

A doutora Bárbara começa um relacionamento com Nicolas, atendente da locadora de filmes que ela frequenta. Os dois decidem ter um filho, mas antes do nascimento da criança há o rompimento e ela fica sozinha nessa empreitada.

Crítica

Em Paris, Bárbara (Louise Bourgoin) e Nicolas (Pio Marmaï) se conhecem na locadora de vídeo na qual ele trabalha como atendente. Ela está preparando sua tese na Sorbonne sobre o Outro no Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein; ele já pensou em ser cineasta, assim como Tarantino. De início, Bárbara vai à locadora e escolhe filmes sugestivos, seja meramente pelo título ou mesmo pelo conteúdo do enredo: Amor à Flor da Pele (2000), A Grande Ilusão (1937) e Prenda-me Se For Capaz (2002). Ele recomenda Leis da Atração (2004), entre outros. Após breves encontros permeados por citações cinéfilas, o futuro casal logo estabelece as bases para o romance que o diretor Rémi Bezançon visa criar. Um Evento Feliz será marcado por essa troca de olhares (olhares que pretendem dizer muito – mas, claro, com a ajuda da narração em off), o que torna evidente sua incapacidade de articular um drama minimamente convincente, sem abrigar suas deficiências em um existencialismo de autoajuda, frágil em sua assimilação e exploração dos conceitos e práticas sartreanas. Mais que filmar o acervo filosófico de Bárbara para reiterar sua intelectualidade de plástico (mas ela não leu todos os filósofos?), ao filme faltou escapar a própria consequência do existencialismo em sua perspectiva (egoísta?) na questão do sentido da vida. Bezançon resolve tudo com extrema facilidade, o que é muito perigoso.

Logo no início da história, que é contada através de flashbacks de Bárbara, ela fica grávida. Grande parte do filme se passa durante os nove meses nos quais o casal se ajeita enquanto ela tenta lidar com o “alien” que está “lá dentro”. Se o Eu é um Outro, Bárbara demorará a se acostumar com a presença de si e em si. Na gestação, escolhas precisam se feitas, atitudes tomadas e, sobretudo, não tomadas (olhem as questões existencialistas aí!). Se a futura mãe reclama intensamente de privação à sua liberdade, é mais em função do afastamento de si que sua nova condição lhe proporciona do que por uma dificuldade social de constituir a tal família. Ora, Um Evento Feliz não têm conflitos, apenas uma cobertura de esquemas caros ao gênero (a comédia romântico-dramática) pontuado por um pano de fundo filosoficamente aceitável para tornar a coisa toda menos infantil e, consequentemente, mais adulta, mais conectada com a sensibilidade feminina e a irresponsabilidade dos homens. O sentido da vida, egoisticamente exposto, é finalizado tal como esperávamos: o Absurdo.

O contato mais óbvio que poderia ser estabelecido entre a situação do casal é uma consequência lógica de sua fruição esquizofrênica: a relação não é mais que uma resolução retórica de um texto mal enjambrado, disponibilizado aos atores para que eles possam fazer suas expressões de dor e sofrimento, sorrindo aqui e ali. Não há nenhuma coordenação dramática entre as cenas, no que os personagens se veem diante da necessidade de explorar as mais clichês dessas performances e desses rituais. Se Um Evento Feliz havia começado com algum sinal vital pulsando na máquina, perdeu, no meio do processo, toda cardiologia que poderia lhe manter vivo. Bezançon prefere artificializar o coração da coisa: ao invés de estraçalhar o ritmo do romance, de criar, mexer, alterar, irracionalizar o filme esteticamente (tirar a luz limpinha, polida e elegante que colore o apartamento do casal), ele apenas inverte a lógica dos acontecimentos, isto é, em vez de mostrar a construção de uma relação, ele filma é seu esfacelamento.

Ora, há todas as mesmas “imagens de qualidade”, aquelas que os operários compõem melhor nas fábricas de tecidos e os grafiteiros representam, significam e desmistificam com maior eletricidade nas ruas. Um Evento Feliz tenta conjugar o discurso filosófico mais nuançado da filosofia moderna com uma história cuja própria ideia de existência já é, por si, contemplada com as soluções mais recorrentes do cinema de gênero europeu e americano. No fim, tudo se esclarece: Bárbara abandona a filosofia para, de fato, escrever autoajuda para gestantes. A bem dizer, toda a estrutura psíquica que o filme pretensamente almeja engendrar (o que é bom) se esvazia quando confronta a ditadura das imagens e dos signos prontos.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do RS. Edita o blog Tudo é Crítica (www.tudoecritica.com.br) e a Revista Aurora (www.grupodecinema.com).
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