Um Conto do Destino

Crítica


2

Leitores


Onde Assistir

Sinopse

Durante um inverno rigoroso, Peter Lake, um mecânico irlandês, decide roubar uma imensa mansão. Ele tem certeza que a casa está vazia, mas acaba encontrando uma garota no interior. Quando descobre que ela está prestes a morrer, nasce uma história de amor entre os dois.

Crítica

São tantos os problemas de Um Conto do Destino que é até complicado saber ao certo por onde começar. Se o tom adotado pelo diretor de primeira viagem Akiva Goldsman – vencedor do Oscar pelo roteiro de Uma Mente Brilhante (2001) – para narrar essa trama fantástica é ingênuo e antiquado, em nada colabora o fato do filme ter chegado aos cinemas quase dois meses após o Natal (época naturalmente mais propícia para enredos mais melodramáticos e emocionais) e no final da estação – afinal, a tradução direta do título seria ‘Um Conto de Inverno”. Soma-se a isso interpretações canhestras do elenco principal – Russell Crowe, particularmente, está constrangedor – e efeitos especiais quase amadores e temos o início da explicação do porquê do seu gigantesco fracasso nas bilheterias – com um custo de US$ 60 milhões, arrecadou pouco mais do que um décimo desse valor no seu final de semana de estreia!

02 um conto do destino papo de cinema

A tagline do filme vendida no pôster é “esta não é uma história real, e sim um amor real”. É curioso verem se apropriar com tamanho entusiasmo de uma expressão que indique realidade quando nada – absolutamente nada – é verossímil em Um Conto do Destino. E, por outro lado, há muito pouco amor também – ao menos não no sentido romântico, pois esse é logo descartado e substituído por outro mais atemporal, humanístico por assim dizer. A questão em debate aqui é a luta do Mal contra o Bem, que se estabelece a partir do momento em que percebe-se que um milagre está prestes a acontecer e um emissário de Lúcifer deverá fazer tudo ao seu alcance para impedi-lo, enquanto um Juiz não muito parcial deve se esforçar para manter o rumo dos acontecimentos nos seus devidos lugares.

Colin Farrell – sempre esforçado, porém deixando cada vez mais evidente sua inabilidade em escolher projetos relevantes – é o filho de imigrantes irlandeses abandonado pelos pais em Nova York, ainda bebê, quando estes são mandados de volta para a Europa vítimas de tuberculose. Criado por si só, é ajudado por algumas almas boas até ser acolhido por Soames (Crowe), o emissário do Diabo. Quando este percebe que o jovem está inclinado para o bem, apesar de todos os seus esforços, decide mandar matá-lo, o que só não será possível graças a um cavalo branco com poderes mágicos (sim, acredite!). Em sua fuga, ele conhece – e se apaixona por – Beverly Penn (Jessica Brown Findlay, do seriado Downton Abbey, 2010), uma jovem à beira da morte. A relação dos dois, no entanto, terá repercussões mais de cem anos depois, já na Nova York atual, quando Peter Lake (Farrell) seguirá perambulando até conseguir realizar o que lhe está destinado – e, para tanto, contará com a ajuda da jovem mãe e jornalista interpretada por Jennifer Connelly.

Akiva Goldsman, ao decidir adaptar o romance homônimo de Mark Helprin, esqueceu que o sucesso literário não é garantia de que o mesmo efeito se repetirá nas telas. Nem contando com a ajuda de amigos como Crowe e Connelly (protagonistas do citado Uma Mente Brilhante) ou Will Smith (estrela de Eu, Robô, 2004, e Eu Sou a Lenda, 2007, ambos textos de Goldsman, e de Hancock, 2008, produzido pelo diretor) – em presença mínima e quase inexplicável, pois mais distrai do que colabora – o cineasta consegue prender a atenção do público. Muito disso se deve ao fato dos personagens serem estereotipados – ou é muito ruim, ou muito mau, sem meios-termos – e a trama, previsível e problemática, repleta de desvios sem sentido e soluções que não impulsionam seu desenvolvimento. A decisão de ambientar a história em dois espaços de tempo distintos também contribui na sua já complicada percepção.

01 um conto do destino papo de cinema

Mas nem tudo está errado em Um Conto do Destino, e há um único momento de real emoção quando a veterana Eva Marie Saint – vencedora do Oscar por Sindicato de Ladrões (1954) – entra em cena. Mesmo em uma participação sem muito sentido – que idade a personagem tem? 110? – e de pouco significado, ela consegue injetar um sentimento contagiante, que faz o espectador perdoar – ainda que por poucos instantes – toda a bobagem melosa explorada até aquele ponto. Sua aparição, no entanto, é um alívio tão impressionante que, em sentido contrário, só reforça o imenso desperdício em que consiste esta obra como um todo. É o típico filme que, em última análise, se fosse uma produção nacional, apenas atrairia um público em busca de mensagens religiosas espíritas ou evangélicas. Como tem um elenco hollywoodiano e grande orçamento, até tenta disfarçar essa intenção. Mas nem toda tentativa é válida.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *