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Sinopse

Yoshiteru Miki e Taketori Washizu comandam exércitos de um reino local no Japão. No caminho de volta de uma batalha feroz, os dois encontram um espírito que prediz o futuro de ambos. Um assumirá o trono, enquanto o filho do outro o sucederá. Começam maquinações palacianas para que as profecias sejam concretizadas.

Crítica

Ao lançar uma obra, seja ela em que arte for, seu autor imediatamente perde o controle sobre aquilo que produziu. Não só em relação a análises de todo tipo e à recepção por parte do público, mas também acerca de possíveis releituras, algumas delas que reviram do avesso o material original. Não é este o caso de Trono Manchado de Sangue. Por mais que proponha uma ambientação no Japão feudal, em plena era dos samurais, a essência da trama é bastante fiel àquela estabelecida por William Shakespeare ao lançar o clássico Macbeth, no início dos anos XVII. Ainda bem.

Mestre em retratar sutilezas de caráter, Shakespeare explorou em Macbeth a ambição inerente ao ser humano, mesmo que adormecida, diante de oportunidades repentinas. É a partir da súbita aparição de um espírito que prediz o futuro que nasce a possibilidade de ascensão no reino do poder, despertando uma típica pergunta Tostines: o futuro se concretiza porque houve a predição antes ou a predição acontece para que exista o destino inevitável? A resposta não importa, mas sim a jornada. É através das artimanhas ardilosas de Macbeth e sua esposa que o autor esmiuça as sombras do poder, de forma contundente e realista.

Nada disto foi perdido na versão conduzida por Akira Kurosawa. Se o tom dramático é garantido pela competência e firmeza de Toshirô Mifune e a força dos diálogos, o brilho maior está na nova ambientação deste clássico do teatro. Para tanto, o contexto social em torno dos samurais é apresentado de forma a ressaltar a honradez existente, mas sem adentrar em suas peculiaridades comportamentais; basta notar que não há mudanças na jornada em comparação ao original. A transferência está nos figurinos e no tilintar tão típico das armaduras, que muito auxiliam a mergulhar nesta realidade.

Com a força da narrativa assegurada, Kurosawa pôde então se dedicar ao grande diferencial de Trono Manchado de Sangue em relação às demais variações de Macbeth: o lado estético. Inteiramente em preto e branco, o filme incorpora a neblina como elemento não só cenográfico mas também narrativo, especialmente nos encontros com o espírito misterioso. Além disto, o diretor encampa de forma sublime a leveza e a beleza das flechas zunindo, ao mesmo tempo mesclando o perigo que representam com a sutileza com a qual são disparadas. Diante de tal dualidade, e o risco iminente em torno de Mifune, o desfecho é de uma potência cinematográfica sufocante.

Mais que uma mera recriação, Trono Manchado de Sangue é um filme que consegue ir além da versão criada por Shakespeare justamente por inserir características cinematográficas que, sem corromper o material original, ampliam ainda mais seus horizontes. Uma verdadeira aula sobre como transpor uma narrativa entre artes tão correlatas quanto o teatro e o cinema, mas ainda assim com particularidades bem distintas.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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