
Crítica
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Sinopse
Em Torniquete, três gerações de mulheres da mesma família, vivendo pela primeira vez sob o mesmo teto, precisam reinventar o significado da palavra lar. O que revelam as marcas de traumas que insistem em retornar? Cicatrizes que são tão invisíveis quanto profundas, fazendo aflorar sentimentos intensos quanto ao passado, bem como novas possibilidades de partilha futura. Drama.
Crítica
O início é forte. Uma senhora é empurrada para dentro de um cômodo, para logo em seguida a porta ser fechada. Ela não está sozinha. Ao seu lado estão outras duas, que assim como ela, se mostram acuadas. São mais jovens. Uma a chama de mãe. A mais nova demonstra medo, à beira de um choro mal contido. A mais velha, no entanto, parece não ter nada a perder. Grita com raiva, xingamentos e expressões de protesto, de revolta. A do meio tenta contê-la, “para, mãe, assim eles vão acabar nos matando”. De nada adianta. Os minutos se estendem, e somente depois, quando o silêncio impera, é que ousam arrombar uma janela, forçar a tranca, e daquele cerceamento se livrarem. Em Torniquete, essas três mulheres estão à solta, dispostas a tudo e todos. Uma se mostra cansada de tanto perder. A outra, por sua vez, está em pleno processo de descoberta, entre a frustração e a excitação. Já a do meio tenta se mostrar como um ponto de equilíbrio. O que as une, além dos laços familiares, parece ser o maior mistério. Uma resposta que o filme não se preocupa em fornecer.
Não que toda obra deva oferecer as explicações por completo, deixar tudo bastante claro. Aliás, muito pelo contrário. Mas, ao menos, espera-se que aponte caminhos, indique direções e permita que o espectador chegue às suas próprias conclusões. Ana Catarina Lugarini, diretora e roteirista, busca tanto o mínimo que parece se esquecer de espalhar pistas por onde passa. Assistente de direção de Aly Muritiba em Jesus Kid (2021) e de Ana Johann em A Mesma Parte de um Homem (2021), tem vasta experiência na produção de títulos comandados por Paulo Machline (O Filho Eterno, 2016) ou Felipe Bragança (Um Animal Amarelo, 2020), entre outros. Ou seja, conhecimento não lhe falta. Porém, ao assumir as responsabilidades por detrás das câmeras como condutora do projeto, se mostra tão interessada em duas dessas três personagens que parece esquecer – ou propositalmente relegar a um segundo plano – a dinâmica das ações que as unem. Como se as partes tivessem mais importância do que o todo.
Afastada da televisão desde Um Lugar ao Sol (2021-2022), Marieta Severo tem revisitado o mesmo tipo em suas composições mais recentes para o cinema. De A Voz do Silêncio (2018) a Domingo à Noite (2022), de Aos Nossos Filhos (2019) a Noites de Alface (2021), tem demonstrado apreço a uma figura ranzinza, de pouca paciência, cansada do cotidiano e saudosa de tempos melhores. Em Torniquete essa personalidade se repete em Lucinda, a avó que já teve sua casa assaltada tantas vezes que pouca esperança vê na visita do policial que vem no dia seguinte ao arrombamento. A proposta fílmica demonstra interesse em colocá-la como contraponto ao ímpeto juvenil da neta, interpretada sem muitas nuances pela novata Sali Cimi. A Amanda que cai sob sua responsabilidade se mostra como tantas outras adolescentes – impetuosa, rebelde, insatisfeita, mimada – com pouco que consiga destacá-la de suas amigas ou colegas. A garota por quem ela se interessa demonstra mais personalidade no pouco tempo de cena que usufrui, e o envolvimento das duas parece mais uma inserção visando algum tipo de representatividade LGBT+ do que algo que flui natural neste enredo de muitos tropeços e pouca assertividade.
Sônia, filha de uma e mãe da outra, é defendida com intensidade por Renata Grazzini. Mas a diretora não se mostra propensa a dar atenção a quem tende ao centro. Seu olhar está nas beiras, nos excessos, naquilo que transborda, mas não agrega. Quando uma lesão provoca uma hemorragia grave, é preciso estancar o sangue. Um curativo, portanto, se faz necessário. O Torniquete de Ana Catarina Lugarini se confirma desnecessário, pois ao mesmo tempo em que a ferida está prestes a se fechar, alguns machucados, por mais que se tente, jamais cicatrizarão. O que houve entre estas três, ontem ou décadas atrás, não mais importa. Suas existências continuarão, até que não mais. E assim como a casa ao lado que era tão cheia de vida e hoje se encontra demolida, como um terreno baldio, algo acabará por ocupar seu lugar, e um novo ciclo terá início. Sem aqueles que antes se afirmavam ser imprescindíveis. Pois essa é uma condição que não existe. Tudo e todos são substituíveis. Até mesmo os traumas do passado, que terminarão apagados, esquecidos, relegados a um lugar menor na memória. Teria sido interessante ter participado desse processo de dor e recuperação. Mas não foi dessa vez.
Filme visto durante o 14º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2025


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