Crítica
Leitores
Onde Assistir
Sinopse
Na cidade de São Paulo, uma prostituta deseja se tornar mãe, uma garçonete comprometida tem um admirador capaz de se tornar assassino para provar seu amor, e uma madrasta tenta cativar a enteada no velório do pai. Histórias um tanto quanto esquisitas sobre amor que revelam inusitadas formas de afeto quando colocadas em contato.
Crítica
A combinação de palavras e imagens – a sentença “Eu te amo” repetida diversas vezes numa cena de sexo de um filme pornográfico – que abre Todo Clichê do Amor, de certa forma, pode ser vista como um resumo sucinto da proposta do ator, roteirista e diretor Rafael Primot para seu segundo longa-metragem. Após jogar com os signos do cinema de gênero – o suspense, no caso – em Gata Velha Ainda Mia (2014), Primot agora se volta às convenções acerca do amor, difundidas em grande parte pelas comédias românticas, trabalhando-as em uma chave propositalmente hiperbólica e paródica. Algo que a sequência musical dos créditos iniciais, com a narração off em primeira pessoa – que se alterna entre personagens ao longo da projeção – apresentando uma “história que começa com uma mulher deprimida cantando uma música enquanto pensa no seu amor platônico”, não deixa negar.

O roteiro de Primot segue três tramas. Na primeira, uma madrasta (Maria Luísa Mendonça) tenta se aproximar da enteada (Amanda Mirásci) durante o velório do pai da garota. A segunda mostra um humilde entregador (vivido pelo próprio diretor) disposto a provar seu amor por uma garçonete comprometida (Débora Falabella). Já a última envolve uma prostituta (Marjorie Estiano) com desejo de ser mãe – casada com um ator pornô (João Baldasserini) – e seu cliente (Eucir de Souza), que também passa por uma crise conjugal com a esposa (Clarissa Kiste). Embaladas pela estilização estética – com a fotografia e a iluminação ressaltando as cores quentes do papel de parede do quarto de motel ou dos letreiros em neon da lanchonete, por exemplo – essas tramas, que se desenvolvem basicamente num único cenário cada, se revelam interligadas por vias metalinguísticas.
Todas elas ganham a forma de “história dentro da história”, obras de ficção – um filme, uma radionovela e um livro com o mesmo título: “Desespero de Amor” – que são acompanhadas pelos personagens. Tal escolha, que Primot parece ter como sua grande sacada, termina servindo também como justificativa para o desfile de clichês, frases prontas cafonas e situações manjadas sugerido no título do longa. O resultado, contudo, acaba caindo na indefinição sem que, muitas vezes, fique claro o quanto de simples ironia ou o quanto de digressões e tentativas reais de analisar a anatomia das relações amorosas há nas cenas. Inegavelmente, a ideia de explorar os clichês pelo exagero no intento de subvertê-los e, assim, levar à reflexão sobre o tema trabalhado é válida. No entanto, o longa não atinge plenamente essa pretendida subversão, muito devido à falta de diálogos e situações realmente inspiradas.
Poucas piadas chegam a ser, de fato, tão sagazes e inventivas quanto se imaginam, o mesmo valendo para as metáforas. Caso da ideia envolvendo as carências de sentidos dos personagens – a esposa cega, o marido sem paladar, a enteada com problemas auditivos, a garçonete que ensina linguagem de sinais para crianças mudas – como se o cineasta sugerisse que o amor afeta e se sobrepõe aos sentidos, ou ainda fosse ele mesmo um sentido próprio, o mais aguçado de todos. Referências como aquela à obra Os Amantes, de René Magritte, com o casal de rostos cobertos por tecidos se beijando, reproduzida em cena por Eucir de Souza e Clarissa Kiste, também soam mais gratuitas e menos significativas do que ambicionam. Ao menos o competente elenco parece se divertir com a proposta, com destaque especial Estiano na pele de sua personagem pouco ortodoxa.

Contudo, a superficialidade domina a construção dessas figuras, de seus dilemas e relações, gerando pouco interesse nos mesmos, e até as tentativas de reviravoltas inesperadas – como o cruzamento de tramas sem maiores justificativas no desfecho – não surtem um efeito notável. No fim das contas, após ridicularizar as convenções românticas, Todo Clichê do Amor parece apontar para uma aceitação destas como algo inerente a qualquer relacionamento amoroso. A aceitação de que amar é algo “brega” e louco por natureza, e que talvez sua pureza esteja atrelada justamente a essas características. As surpresas e as risadas no caminho até essa conclusão, porém, são esparsas, deixando um sabor familiar e requentado, bem aquém do frescor prometido pela embalagem idealizada por Primot.
Últimos artigos deLeonardo Ribeiro (Ver Tudo)
- Pessoas Humanas - 9 de janeiro de 2024
- Resgate de Alto Risco - 27 de janeiro de 2022
- Nheengatu: O Filme - 2 de dezembro de 2021
Grade crítica
| Crítico | Nota |
|---|---|
| Leonardo Ribeiro | 4 |
| Robledo Milani | 6 |
| Francisco Carbone | 7 |
| MÉDIA | 5.7 |

Deixe um comentário