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Sinopse

O enigmático Buster Scruggs, um caubói que tem sua vida desvendada em seis diferentes histórias.

Crítica

Segundo rumores, originalmente The Ballad of Buster Scruggs seria uma série escrita e desenvolvida por Joel e Ethan Coen – eles negam, dizendo que não sabem fazer TV. De toda forma, o resultado é um longa-metragem com seis histórias ambientadas no Velho Oeste. Aliás, o faroeste não é exatamente uma novidade aos irmãos cineastas, vide Bravura Indômita (2010), releitura com roupagem clássica, e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), no qual certos cânones do western estão no cerne da narrativa. Pois bem, como de costume nas antologias, essa empreitada se mostra desigual, com alguns episódios prevalecendo, enquanto outros passam na telona apenas como uma curiosidade relativamente bem trabalhada. Além da ambientação, que acessa os mitos da fundação dos Estados Unidos e remonta a um período áureo da produção hollywoodiana, a morte é um elemento constante, ora encerrando baladas de contornos tragicômicos, ora sublinhando a ironia de um destino zombeteiro. Uma pena que o todo soe como mera junção forçada de partes heterogêneas.

Há diferenças consideráveis de tons entre os segmentos. Em The Misanthope, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson) surge no horizonte como um sujeito praticamente invencível. De maneira caricatural, Joel e Ethan Coen brincam com a figura do caubói virtuoso que, a despeito da letalidade, sobressai pela impecabilidade da vestimenta branca, que contrasta com as poeirentas dos demais, e a voz aveludada. Aqui a abordagem é bem próxima do cartunesco, com atiradores vencendo facilmente os oponentes, espelhos utilizados para realizar a mira, e um encerramento agridoce que promove chacota com a soberba do pistoleiro/cantor pretensamente modelar. Já Near Algodones é menos eficiente porque aposta numa tentativa de fazer comédia com a desgraça do assaltante de banco vivido por James Franco, que escapa da forca por obra do acaso (e de um ataque indígena inesperado) para, logo adiante, ser novamente acusado de um crime passível de pena capital. É bem menos eficiente que seu antecessor.

As coisas melhoram um pouco em Meal Ticket, em que Liam Neeson é o líder de um espetáculo itinerante. Sua maior atração é um jovem que não tem pernas e braços. Embora o drama dê a tônica do desenvolvimento melancólico, o episódio não escapa de incorrer em repetições pouco combatidas pelo roteiro que, portanto, insiste em termos já discutidos. Mas, a resolução desumana do protagonista, própria aos sujeitos de negócios pouco preocupados com a dignidade subalterna, garante um clímax impactante. Na sequência, Tom Waits vive o idoso solitário que rastreia ouro à beira de um límpido rio em All Gold Canyons. A brincadeira com animais fugindo assim que ele chega ao recinto é uma pista falsa que aponta enganosamente ao lúdico, pois Joel e Ethan Coen sublinham a espreita da morte, conviva da ganância que fez muitos perderem a vida em busca de riquezas minerais. Nesse caso, a dupla lida bem com a solidão do personagem e o fatídico de suas ações.

The Ballad of Buster Scruggs segue por um caminho mediano nos dois segmentos derradeiros. Em The Gal Who Got Rattled, Zoe Kazan é a menina que perde o irmão mais velho durante a caravana para mudar de vida. Acossada por uma dívida vultuosa, vê possibilidade de livrar-se da danação ao casar-se com um caubói, mas acaba no meio de um ataque indígena que representa tão e somente um obstáculo à sua prosperidade pessoal. Finalmente, em The Mortal Remains há um extenso diálogo, bem orquestrado, diga-se de passagem, entre os cinco viajantes de uma diligência, com considerável tempero de mistério e algumas pitadas de horror infelizmente mal exploradas. Marcado pela disparidade de qualidade das partes, a produção tem seus instantes de inspiração, com o humor negro característico de Joel e Ethan Coen conduzindo os enredos a desfechos trágicos, mas é prejudicado pela ausência de unidade, de algo interligando melhor as frações e de estofos que sustentem a relevância do todo.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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