Crítica

Incrível como Steven Soderbergh precisou anunciar a suposta aposentadoria na carreira para entregar em seu (pseudo) último trabalho nos cinemas uma produção primorosa e de alta qualidade. O thriller Terapia de Risco traz o diretor em sua melhor forma e mostra que o mesmo parece se dar melhor quando tem poucos, porém mais do que eficientes, atores em mãos (o que já havia acontecido com os bons Erin Brockovich, 2000, e O Desinformante, 2007), ao contrário do que ocorre quando sua megalomania toma conta e o elenco é tão cheio de rostos que ele não sabe o que fazer - como em Contágio e À Toda Prova, ambos de 2011, Magic Mike (2012) e o superestimado Traffic (2000).

Sem querer usar o trocadilho (mas já o fazendo sem culpa), é um risco contar muito do filme sem soltar algum spoiler. Basicamente pode-se dizer que, após o retorno do marido Martin (Channing Tatum), que estava preso, Emily (Rooney Mara) volta ao seu estado de depressão compulsiva e tentativas suicidas. Apesar do doutor Jonathan Banks (Jude Law) tentar várias formas de tratar a garota, é através da sugestão da antiga psiquiatra dela, Victoria Siebert (Catherine Zeta-Jones) que o médico recomenda à jovem o uso de um medicamento chamado Ablixa. As consequências são uma tragédia, uma prisão e várias reviravoltas na trama.

A linguagem de Terapia de Risco flerta com o cinema noir ao entrar na investigação da culpa da morte ocorrida na primeira meia hora de projeção e também com a filmografia de Alfred Hitchcock ao invocar o papel do “homem errado”, o suspeito que é jogado aos leões e precisa provar sua inocência mesmo que o público (pense que) saiba que ele não cometeu nenhum crime. A trama é rebuscada e joga com a inteligência do espectador ao lançar pistas que podem ser falsas ou não sobre o que de fato ocorreu. Poderia ser um grande acerto do roteiro, mas acaba por ser sua principal falha ao cansar um pouco. Em alguns momentos parece que Soderbergh está dizendo “ahá, peguei vocês”, enquanto o público fica de queixo caído com algumas situações que parecem implausíveis – porém, ao fim, se justificam.

Além da história interessante, o elenco está fenomenal. Rooney Mara, que já havia conquistado crítica e público em Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011), volta a surpreender na pele de uma neo femme fatale depressiva e aprisionada. Sua expressão (ou, muitas vezes, a falta de) nos deixa em dúvida sobre seu real estado mental. Além dela, Channing Tatum, em sua terceira parceria com Soderbergh (as outras foram Magic Mike e À Toda Prova) confere sobriedade a um papel que nem precisaria de muito esforço. Jude Law vai do céu ao inferno, inclusive em suas expressões, nos momentos certos. E Catherine Zeta-Jones nunca esteve tão madura e complexa como a ambígua doutora.

Terapia de Risco é daquele tipo de filme indicado para quem gosta de um excelente thriller que deixa você tenso do início ao fim tentando desvendar o que ocorre na tela, como um grande quebra-cabeças. Além de tentar desvendar os mistérios da trama, o melhor de tudo é ver que um bom cineasta não perdeu a mão e trouxe o melhor da sua experiência para um filme que poderia simplesmente passar batido. Se Soderbergh vai realmente se aposentar são outros 500. O que importa é que ele entregou uma bela produção que, se não for me adiantar demais, pode ser uma séria candidata a conquistar prêmios no próximo ano.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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