Crítica


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Sinopse

Yance Ford relembra e analisa a morte violenta do irmão de 24 anos e o sistema judicial que permitiu que o homem branco responsável pelo homicídio permanecesse livre. O cineasta questiona o medo assassino e reflete sobre percepção racializada, preconceito, tristeza, raiva e impunidade.

Crítica

Black Lives Matter (em português: vidas negras importam). Essa frase não pode ser esquecida. Ela vem sendo repetida fortemente pelos movimentos contra o racismo e é importantíssimo que seja ouvida. A vida de pessoas negras importa – e muito. Não é o que a realidade nos mostra, infelizmente, com números alarmantes de homens e mulheres negros desaparecidos, mortos, sem paradeiro. Enquanto seus familiares os procuram desesperadamente, tentando buscar justiça, esta parece nunca chegar. Temos um exemplo disso no documentário distribuído pela Netflix e indicado ao Oscar, o pungente Strong Island.

O filme não é forte apenas por contar uma história real, mas em virtude de ser comandado por alguém envolvida em um triste episódio. A cineasta estreante Yance Ford perdeu seu irmão mais velho, William, em 1992, assassinado. A morte do rapaz, de apenas 24 anos, decretou o desmoronamento daquela família. Em depoimentos muito sinceros, Ford entrevista a mãe, a irmã e amigos do rapaz, gravando também a própria fala para o filme. A diretora não tem pressa em contar o que aconteceu ao irmão e vai desvelando sua história aos poucos, com material suficiente para que até os últimos minutos ainda nos surpreendamos com alguns pontos da história. Ao final, fica evidente que Strong Island é um trabalho que visa exorcizar demônios na vida de Yance e de sua família. Um fechamento para uma história que já dura 25 anos.

O título, Strong Island, refere-se à cidade de Long Island, em Nova York, aonde a família Ford se mudou décadas atrás e no qual aconteceu o crime. Yance é hábil em mostrar o apartheid que aconteceu em Long Island enquanto o lugar ia sendo habitado. Era vontade do patriarca da família não viver no Brooklyn ou em locais perigosos que ele enxergava do seu posto de trabalho, como operador de trens. Ele desejava um lugar mais seguro, onde seus filhos pudessem crescer. Long Island parecia ser um ponto perfeito, mas a forma com que a urbanização do lugar se deu, criando bolsões raciais em que brancos moravam junto de brancos e negros junto de negros, inevitavelmente transformou a região num ponto de medo e perseguição. A cineasta explica tudo de forma didática, traçando em mapas a absurda ideia dos empreiteiros da época.

No quesito narrativa, o longa-metragem de Yance Ford não oferece muitas novidades. Temos as tradicionais cabeças falantes, algo concebido pela cineasta sem muito arrojo. Nesse caso, os depoimentos são mais importantes do que qualquer perfumaria que a diretora pudesse incluir. Talvez seja esse mesmo o recado de Ford ao espectador: vou deixar meus depoentes de cara limpa, para que eles falem diretamente com o público. Dessa forma, o que eles dizem se torna bem mais importante do como dizem. O melhor exemplo disso é a  cineasta, que enche a tela com o seu rosto expressivo, contando a história que claramente ainda a machuca demais.

Exibido primeiramente no Festival de Sundance, onde foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri, para depois ganhar exibição no Festival de Berlim, o documentário independente encontrou casa na Netflix, que o disponibilizou na plataforma em setembro de 2017. Desde então, o longa tem conquistado outros louros importantes como o Gotham Independent Awards como Melhor Documentário e um sem número de outras honrarias. No Oscar, foi lembrado em sua categoria, numa daquelas ocasiões em que a indicação já serve como prêmio, ainda mais por ter dado justa visibilidade ao filme.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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