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Sinopse

Uma excêntrica família viaja numa missão pelo Brasil, em meio à Ditadura Militar. Eles estão tentando salvar a humanidade da extinção.

Crítica

Mais do que incomodar, o que os diretores Tavinho e Mariah Teixeira querem é provocar. Um movimento, é importante ressaltar, mais do que saudável. Afinal, em tempos acomodados como os que vivemos, serão esses lindos malucos que conseguirão, enfim, provocar alguma mudança. Ambos atores e diretores, pai e filha sabem que a ordem desses fatores pouco importa ao resultado final: a diferença estará no quão alto será o barulho provocado. E com Sol Alegria, longa que primeiro levaram ao exterior – sua première se deu no Festival de Roterdã, na Holanda, para depois chegar ao Olhar de Cinema, em Curitiba, e ao Cine Ceará, em Fortaleza – o que criam é justamente isso: terreno para ressaltar a inconformidade com o agora e cenário propício para um salto a um futuro, se não melhor, ao menos de acordo com as sombras que precisam, urgente, serem combatidas.

A estratégia de mostrar antes lá fora para depois trazer para dentro se revela válida, ainda mais quando a moral do espectador brasileiro tem se demonstrado tão combalida. Aplaudido pelos gringos, é possível que encontre ressonância em casa. Exatamente o que motiva a luta da falange Sol Alegria, uma família em armas pronta para atacar o status quo. Pai (Tavinho), Mãe (Joana Medeiros), Filha (Mariah) e Filho (Mauro Soares) estão unidos nesse objetivo. E se por um lado parecem inseridos nos altos escalões do governo, suas intenções não poderiam ser mais anárquicas: contrabandear armamentos para um convento de freiras rebeldes que vivem do cultivo de cannabis. A mensagem, como se percebe, é forte. E as motivações por trás dela são ainda mais prementes.

Não há um enredo, particularmente, a ser explorado. O que se acompanha em cena é mais um conjunto de situações que contribuem na formação deste quebra-cabeça de surtos e protestos, discursos e confrontos. As intenções são claras: incitar reações. Ninguém sairá de uma sessão de Sol Alegriasem esboçar algum tipo de resposta. É provável que as mais comuns sejam de desconforto, visto o grau de acomodamento burguês em que se vive nesse país, regido por uma religiosidade galopante e cerceadora. Mas alguns serão capazes de ir além dessa fronteira, vislumbrando nestes embates gritos de socorro, de empatia e apoio, despertando para uma união que se comprova fundamental frente ao que agora enfrentamos. É preciso ser do contra, demonstrar insatisfações e dar espaço para que vozes contrárias também possam ser ouvidas. “A unanimidade é burra”, já dizia o velho mestre.

Pegando elementos que vão de Fassbinder – o início é tão Querelle (1982) que é quase possível ouvir Jeanne Moreau cantarolar “todo homem mata aquilo que ama” – às mais óbvias, como Almodóvar – as freiras parecem ser as mesmas eternizadas por Carmen Maura e Marisa Paredes em Maus Hábitos (1983) – os Teixeira demonstram habilidade em assumir deliberadamente tais referências, porém usando-as a favor de um discurso muito próprio. Não estamos, aqui, diante de um mero pastiche: a colcha de retalhos construída pelos realizadores proporciona uma experiência que não se contenta com meras citações, aproveitando tais diálogos para estabelecer trocas inéditas, levando os envolvidos, independente do lado da tela em que se encontrem, a reflexões que invariavelmente apontarão a um repúdio ao discurso oficial que tanto massifica quanto empobrece. Sol Alegria é poder, mas também desprezo.

Certamente um filme para poucos, a obra dos Teixeira não é desprovida de talentos individuais. E se no elenco chamam atenção as participações de Everaldo Pontes – como a madre superiora – e de Ney Matogrosso – responsável por um envolvente e belo número musical – está nos protagonistas a força que traz consigo. Destes, impossível afastar atenção da presença determinada de Medeiros (que estava longe das telas desde Tropa de Elite, 2007) e da cativante rebeldia de Mariah (Melhor Atriz no Festival de Brasília por Baixio das Bestas, 2006), ambas donas de talentos superlativos, que se sobressaem ao exibicionismo gratuito e se mostram no controle de personagens que representam mais do que as figuras que defendem. Sexo, militância, terrorismo, drogas e os mais diversos tabus são expostos de peito aberto. Sol Alegria não quer propor verdades nem esclarecer o óbvio. Sua função, como foi dito antes, é proporcionar, através da provocação que mantém em alta do início ao fim, uma variação de comportamento. Se válida ou não, essa é uma resposta que está mais em que vê do que naqueles que deram o primeiro passo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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