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Sinopse

Em Sidonie no Japão, a personagem-título é uma escritora francesa renomada, em luto por seu falecido marido. Convidada para ir ao Japão para o relançamento de seu primeiro livro, é recebida por seu editor japonês, que a leva a Kyoto, a cidade dos santuários e templos. À medida que viajam juntos pelas flores da primavera japonesa, aos poucos ela se abre para ele. No entanto, o espírito do falecido marido continua a assombrar Sidonie.

Crítica

O que Sidonie quer? Ou melhor, o que Sidonie precisa? Em um momento em que olhar para frente é tão difícil quanto se prender ao que aconteceu lá atrás, tudo o que parece lhe restar é o presente. Mas trata-se de um hoje desprovido de novidades, no qual os dias se mostram iguais, independente dos desafios que lhes sejam propostos. Como a oportunidade de conhecer o outro lado do mundo. Em Sidonie no Japão, o título é bastante literal, e o que a protagonista tem diante de si é não só uma viagem transformadora pela questão geográfica, mas também no seu aspecto mais íntimo. A partir do momento em que decide se abrir ao que lhe é estranho e incomum, as mudanças começaram a acontecer. Não apenas no que vê, mas, acima de tudo, pelas conclusões que carrega consigo e na forma como esse mundo poderá lhe proporcionar conforto e paz. Um caminho por vezes tortuoso, mas o qual se percorre com cuidado e sem afobação, assim como deve ser a postura do espectador diante desse filme simples, porém longe de ser banal.

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Com as malas prontas, Sidonie hesita em sair de casa. Ao chegar na área de check-in, entrega os documentos solicitados, mas reluta em se separar de sua bagagem. Ela assumiu um compromisso, e por mais que tente retardar o processo, sabe bem o que precisa fazer. A troca de um cenário por outro pode lhe soar radical, mas faz parte de um processo maior. Uma necessidade de se desprender das âncoras que há muito lhe mantêm presa, e seguir com sua jornada, um passo após o outro. Não uma corrida que se vê a linha de chegada, mas uma caminhada contínua, serena e constante. O mais difícil é sair daquele espaço que há muito lhe tem sido seguro e confortável e, aos poucos, se preparar para o inesperado. Por mais que uma agenda esteja ao seu alcance, e que a companhia daquele disposto a protegê-la seja também uma garantia.

Quando perguntada a respeito de sua profissão, Sidonie responde que “sim e não”. Ela é escritora? Talvez não mais. Não possui planos nem intenções de redigir novos volumes. Mas já escreveu alguns. E um em especial, o primeiro deles, acabou de ganhar uma nova edição no Japão. E é para lá que vai, a convite do seu atual editor local, para uma série de compromissos, sessões de autógrafos, palestras e encontros com leitores. Ao se deparar com Kenzo, a quem conhecia até então somente de modo virtual, a primeira coisa a lhe chamar atenção é o sobrenome: “Mizoguchi, assim como o cineasta?”, lhe pergunta. Não, esse é um nome bastante comum, é o que fica sabendo. Não se trata de uma celebridade, nem mesmo parente de uma. Eis, portanto, um homem como qualquer outro. Assim como a mulher que agora está diante de si. Mas há mais alguém.

Ao lhe relatar o que lhe deixou assustada, Sidonie encontra calma e compreensão. Kenzo lhe explica: “essa é uma terra de fantasmas, e eles estão entre nós. Se você o vê, é porque há algo a ser resolvido entre vocês”. O que havia lhe causado espanto, num estalar de dedos se torna normal. Sidonie passa a ver o marido, Antoine, que há anos morreu em um trágico acidente de trânsito. A união dos dois foi uma junção de almas, e desde sua partida ela tem se sentido profundamente só. Agora, de uma só vez, foi do nada à abundância. Antoine não só está de volta, como Kenzo, lentamente, vai também lhe conquistando. Entre o deixar partir e o permitir se aproximar, a mulher fará suas escolhas tendo em mente não apenas o que viveu, mas o tanto que ainda tem pela frente. A morte é encarada de forma absolutamente natural, como parte de um todo. Mas não se deve apressá-la, e esse se mostra um dos mais imprescindíveis ensinamentos.

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Há uma comédia um tanto deslocada na narrativa de Élise Girard (Um segredo em Paris, 2017). A inserção do ex-marido, vivido pelo alemão August Diehl, por mais que seja crucial para a reviravolta a qual a trama se propõe, nem sempre se encaixa ao contexto – o que talvez seja a proposta da diretora. Porém, quando o drama e o romance tomam conta, eis que o trabalho do elenco se destaca. O que falar de Isabelle Huppert, uma das maiores intérpretes vivas, além daquilo que ela por tantas vezes já demonstrou? Aqui, alterna entre a desilusão e o deslumbramento, mostrando-se ávida tanto por um, quanto pelo outro. É a ponte adequada à retidão e ao delicado proposto por Tsuyoshi Ihara (Cartas de Iwo Jima, 2006). Sem investir na ansiedade e apostando cegamente numa relação madura e equilibrada, ele oferece a esse insuspeito triângulo o balanço necessário para seu equilíbrio. Sidonie no Japão se confirma, assim, como uma etapa que tanto pode ser o todo, como também apenas mais um passo. Quem fará essa distinção, além da personagem, é o olhar daquele dedicado a lhe assimilar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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