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Sinopse

Quando Shakespeare precisa de paixão e inspiração para acabar com seu bloqueio criativo, um romance secreto com a bela Lady Viola faz as palavras fluírem como nunca! Mas há duas coisas que ele terá que aprender sobre a nova amada: não só está comprometida para casar com outro, como também finge ser homem para poder interpretar, com muito sucesso, um papel na última produção dele!

Crítica

Sob os mais diversos pontos de vista é possível considerar Shakespeare Apaixonado um projeto de grande sucesso. Quarto longa-metragem dirigido por John Madden, recebeu mais de 50 prêmios em redor do mundo, entre eles 7 Oscars – inclusive os de Melhor Filme, Atriz (Gwyneth Paltrow), Atriz Coadjuvante (Judi Dench) e Roteiro Original. Teve, também, um impressionante impacto nas bilheterias, tendo faturado quase US$ 300 milhões em todo o mundo, apesar de ter custado apenas US$ 25 milhões, relativamente baixo para os padrões hollywoodianos. Ou seja, um retorno de mais de 10 vezes o seu investimento. Ainda assim, não é uma tarefa difícil encontrar detratores da obra. E uma análise mais detalhada do longa evidencia, de fato, estas falhas apontadas por alguns, ressaltando sua fragilidade e, principalmente, frivolidade.

Vendido como “o romance definitivo sobre o genial Willian Shakespeare”, Shakespeare Apaixonado mais parece um arremedo pálido de qualquer uma das principais obras do escritor inglês. Um dos grandes méritos do seu enredo era sua afirmativa de combinar elementos das principais criações shakespearianas, resultando da união dessas algo novo e original. Isso, no entanto, não é de todo verdade. A trama defendida nada mais é do que um pastiche do clássico Romeu & Julieta, aproveitando muito pouco de outros textos referenciais, como o nome da protagonista (Viola, de Noites de Reis), uma aparição fantasmagórica inesperada (de Hamlet) ou o próprio ambiente de confusões amorosas (de Muito Barulho por Nada). É pouco, no entanto, para o anunciado.

Há outros problemas quanto à narrativa. Figura principal e personagem-título, Will Shakespeare (Joseph Fiennes) é visto antes da fama, quando ainda penava para buscar inspirações para suas peças teatrais. Durante o processo de criação de Romeu e Ethel, a Filha do Pirata – que, a partir das experiências pessoais do artista, se transformaria em, obviamente, Romeu & Julieta – acaba conhecendo um ator novo, muito talentoso, que lhe desperta a atenção. Logo descobre, no entanto, que se trata da aristocrática Viola De Lesseps (Paltrow), moça rebelde e apaixonada pelo teatro e pela arte de atuar – isso numa época em que não era permitido às mulheres o ofício da atuação, o que justifica o disfarce. Os dois logo se apaixonam, mas ela está prometida para o nobre – porém falido – Lord Wessex (Colin Firth). Tal situação só poderá ser resolvida – ou não? – após a interferência da própria Rainha Elizabeth (Dench), ela própria uma apreciadora das artes cênicas.

Shakespeare, o principal ponto de interesse do argumento, é quem acompanhamos na meia-hora inicial. Porém, a partir do momento em que a virginal Viola entra em cena, tudo se altera. Após esse momento, o foco de atenção do espectador passa a ser direcionado a ela, fazendo do personagem histórico um mero coadjuvante. Há de se ressaltar ainda que estamos diante de uma obra de ficção, e não de um tratado histórico. Portanto tais manobras eram possíveis, mesmo que não muito desejáveis. Resultando num corriqueiro triângulo amoroso, ainda comete a infortúnio de investir num final frustrante e em aberto. Faltou coragem aos realizadores em assumirem suas decisões, deixando os amantes juntos – como seria o desejado pela maioria – ou afastando-os de vez, eliminando subterfúgios oníricos e fantasiosos.

Outra questão crítica em Shakespeare Apaixonado é seu elenco. Se por um lado o filme foi responsável por relevar às plateias internacionais talentos ingleses até então pouco conhecidos, como Tom Wilkinson e Imelda Staunton (ambos seriam indicados ao Oscar por trabalhos futuros), outros acabam sendo subaproveitados em cena, como Geoffrey Rush e Simon Callow (visto anteriormente em Quatro Casamentos e um Funeral, 1994). Judi Dench, mesmo aparecendo apenas 9 minutos (num filme de mais de duas horas de duração), talvez tenha a melhor performance, oferecendo muito com tão pouco. Ela possui apenas três aparições, mas em cada uma o foco total da sequência está nela, assumindo por completo a majestade que sua personagem exige, revelando nos detalhes – no olhar, no gestual, em cada diálogo – uma infinidade de informações.

Aí chegamos à questão Gwyneth Paltrow. Este trabalhou resultou na sua primeira – e até hoje única – indicação ao Oscar, convertida em vitória. Qualquer uma das demais concorrentes daquele ano – Cate Blanchett, Emily Watson, Meryl Streep e a nossa Fernanda Montenegro – possuíam desempenhos infinitamente superiores. No entanto, estas quatro apresentavam um registro no drama, diferente do que Paltrow se propõe. Sua performance é refrescante, apaixonante, jovial, e completamente adequada ao que o papel exigia. Num outro ano, numa outra disputa, ninguém reclamaria de sua vitória. Talvez seu maior problema seja ser americana – apesar do perfeito sotaque que defende – num personagem tipicamente inglês. A mesma percepção equivocada se dá com Ben Affleck, o mais notório engano de casting da produção – o cineasta oscarizado por Argo (2012) está literalmente perdido, sem absolutamente nada a fazer além de desfrutar do próprio charme. Firth, por outro lado, é inglês o suficiente, mas o que lhe acontece é que seu personagem é muito infeliz, com uma conclusão insatisfatória e antipático demais aos olhos do público – ainda que consiga praticamente tudo a que se propõe durante a história.

E Shakespeare? Joseph Fiennes, irmão mais novo de Ralph Fiennes, deixa evidente que talento não faz parte da herança genética. Apesar de bonito, sexy e atraente – talvez até demais, mas isso é outra questão – sua composição é por demais exagerada, sempre com olhos arregalados, falas empoladas e gestos grandiosos – como se desde o princípio tivesse consciência da importância que somente o passar dos anos iria lhe conceder. Fica claro para qualquer espectador mais atento os porquês de Fiennes literalmente perder o filme para Paltrow a partir do momento em que ela aparece. Ninguém mais se importa com ele. Ele é Shakespeare, afinal, e todos sabem que será bem sucedido, de uma forma ou de outra. Nossa curiosidade está nela, e será com o seu desenlace amoroso que estaremos preocupados.

Tecnicamente impecável – figurinos, direção de arte e trilha sonora também foram oscarizados – Shakespeare Apaixonado é um muito fácil de ver, leve de acompanhar e raso em suas intenções. É um bom programa, entretenimento para massas, mas que não resiste a um olhar mais apurado e crítico. Típico projeto feito por encomenda com objetivos comerciais, funciona na medida em que cumpre o que promete, mas está longe de ser a genialidade que muitos anunciaram. Naquele mesmo ano fomos confrontados com títulos como Deuses e Monstros (1998), Além da Linha Vermelha (1998), O Show de Truman (1998) e Irresistível Paixão (1998), além do nacional Central do Brasil (1998), todos muito mais relevantes historicamente. No entanto, o debate acabou reduzido a duas obras superestimadas, este aqui apresentado e o spielberguiano O Resgate do Soldado Ryan (1998), além do melodramático A Vida é Bela (1998). Mas estes, pelo que parecia na época, possuíam as melhores armas para se vender. E o resultado é que quase quinze anos depois aqueles mais badalados seguem eternizando o óbvio, ao passo que a profundidade continua restrita aos que atrás dela se empenharem. Pouco mudou, não é mesmo?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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