Crítica


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Sinopse

Gunlint, Minnesota, 1977. Ao atender um telefonema, o garoto Ben é atingido pelo reflexo de um raio, que caiu bem em sua casa. Esta situação faz com que seja levado a um hospital em Nova York, onde descobre que não consegue mais ouvir um som sequer. Em 1927, a jovem surda Rose foge de sua casa em Nova York para encontrar sua mãe, a consagrada atriz Lillian Mayhew. A vida destes dois garotos que não conseguem mais ouvir está interligada a partir de um livro de curiosidades, que os leva ao Museu de História Natural.

Crítica

Novamente, e desta feita de maneira um tanto mais ousada, o cineasta Todd Haynes utiliza seu amor pela Sétima Arte como combustível da criação. Se, por exemplo, Longe do Paraíso (2002) era um brilhante metamelodrama, por reconstruir os anos 50 a partir da forma como o cinema enxergou a época, aqui há um procedimento similar, especialmente num dos segmentos de Sem Fôlego, aquele que abertamente emula a estética do cinema mudo. Neste novo filme, há duas linhas narrativas sendo desenvolvidas paralelamente. Na primeira delas, a que se passa em 1977, o protagonista é Ben (Oakes Fegley), ainda às voltas com a dor da perda da mãe num acidente de automóvel. Atingido por um raio enquanto estava ao telefone, ele acaba ficando surdo. Na segunda, a figura central é Rose (Millicent Simonds), surda de nascimento, que enfrenta problemas no convívio com o pai e gasta boa parte do seu tempo colecionando artigos de uma atriz consagrada de Hollywood, Lillian Mayhew (Julianne Moore).

Haynes intercala as histórias, criando, com a habilidade de sempre, rimas expressivas entre as duas, pontos de convergência que estabelecem gradativamente um elo cuja natureza real permanece envolva essencialmente na bruma do mistério. Não é apenas a surdez que liga as crianças, mas o fato de lidarem com aspectos concernentes à orfandade, seja a literal ou não, e de irem sozinhos a Nova York a fim de encontrar, ele, o pai, ela, a mãe. Sem Fôlego vai soltando pistas esparsas que tratam de segurar nossa atenção, de manter-nos suficientemente curiosos em relação ao escondido propositalmente. No âmbito da linguagem, sobressai exatamente a precisão da mimese do cinema mudo, bem articulada, principalmente a partir da fotografia e da encenação. O mesmo não se pode dizer dos anos 70, mais caracterizados pela excelência da direção de arte, dos figurinos e penteados que necessariamente em virtude da apropriação de códigos do cinema da época nos Estados Unidos, os anos da contracultura.

O roteiro é um dos maiores méritos do filme. A articulação, não apenas das linhas narrativas temporalmente distantes, mas também dessas similitudes entre elas, deflagradas com cada vez mais representatividade dentro da trama, é grande parte responsável pelo charme do filme. Porém, na medida em que as coisas avançam, a busca de Ben ganha espaço e, por conseguinte, temos menos Rose, o que enfraquece o todo, pois justamente quando empenhado em escrutinar a menina e seu mundo silencioso, o filme cresce em personalidade e ousadia. Um livro de curiosidades parece ser a chave para desvendar o enigma. Já o Museu de História Natural é o cenário em que a trajetória dos protagonistas aflui. Todd Haynes investe nessa aproximação engenhosa como um fator instigante, deixando nutrido o interesse na natureza de um vínculo devidamente evidenciado. Ajuda bastante nesse processo o carisma dos atores mirins, sobretudo o de Millicent Simonds, que ilumina a telona com seu sorriso algo triste.

Sem Fôlego, porém, perde força vertiginosamente ao se aproximar do clímax. O procedimento escolhido para dissolver as incógnitas é de gosto duvidoso, uma vez que, convenientemente apoiado nas peculiaridades da comunicação com Ben e Rose, Haynes se vale de uma carta que contém toda a verdade, deixando no ar um gosto amargo de didatismo que contradiz sua, até então, construção cinematográfica de riqueza patente. Todavia, o próprio conteúdo da missiva, ou seja, a explicação do quebra-cabeça supostamente complexo é banal, bastante simplória. Embora haja uma bonita simbologia criada entre a maquete de Nova York e a pessoa que interliga os mundos com suas múltiplas ações, o filme possui uma insuficiência dramática que torna o encerramento praticamente uma mera formalidade para não permitir pontas soltas, o que não deixa de ser decepcionante, já que, afora o cativante aspecto formal, a inconsistência atrapalha a grandeza. Ainda assim, é acima da média, por seu ímpeto criativo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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