Crítica


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Sinopse

Durante um dos mais duros golpes militares da história do Chile, responsável por derrubar o presidente Salvador Allende e instituir uma sanguinária ditadura no país, a embaixada italiana tornou-se uma das protagonistas da situação. Muitos dos opositores buscaram abrigo no local e rapidamente conseguiram também asilo.

Crítica

Em dado momento de Santiago, Itália, um sujeito tem dificuldade de continuar o seu depoimento ao lembrar-se da atitude humanista de um cardeal católico durante os anos da ditadura militar chilena. O fato de ele, engasgando com as palavras, se dizer ateu significa muito dentro do contexto em que homens e mulheres foram humilhados, assassinados e privados de dignidade por seguirem a ideologia diferente da defendida pela burguesia. Mesmo não acreditando em deus, ou seja, sendo indiferente ao centro gravitacional da vida daquele clérigo, o agora senhor ainda assim é tocado profundamente pela bondade que a religião deveria representar fundamentalmente. É um instante breve, mas capturado com sensibilidade pelo cineasta Nanni Moretti, que parece surpreso diante das lágrimas que surgem na conversa. Como essa, há várias passagens em que homens e mulheres têm suas vozes embargadas pelo contato com o passado que também faz os olhos marejarem.

Santiago, Itália possui dois blocos. No primeiro, há a consistente construção do cenário aterrador pós-golpe militar de 11 de setembro de 1973. Costurando bem os testemunhos, o renomado diretor italiano cria um discurso contrário à arbitrariedade militar e, por conseguinte, abertamente simpático aos opositores que sofreram. Favoráveis às políticas de igualdade social implementadas pelo então presidente, eleito democraticamente, Salvador Allende, estes padeceram física e psicologicamente. Há uma consternação subjacente, fomentada pelos dizeres que, de modo complementar, remontam às tensões entre os opostos. De um lado, a euforia de todos os partidários do homem admirado que ocupava o depois bombardeado palácio La Moneda (e que imagem forte, resgatada). Do outro, a articulação obscura, nutrida por meios de comunicação, financiada pelos Estados Unidos – documentos comprovam isso – à instauração de um freio à revolução.

O itinerário desenhado por Nanni Moretti, especialmente no que tange às engrenagens do golpe e aos posteriores métodos de intimidação, como torturas inomináveis e assassinatos, é infelizmente análogo a tantos que marcaram a ferro e fogo a América Latina entre os anos 60 e 80. Santiago, Itália, em sua metade inicial, exerce a função didática de exumar a História em busca de verdades encobertas. Já perceptível por conta da forma como a narrativa é articulada, o posicionamento do cineasta fica ainda mais evidente nas cenas em que ele interage com militares reformados, alguns infelizmente gozando de impunidade, poucos devidamente encarcerados. Moretti os interrompe, os questiona, os inquere, diferentemente da escuta atenta dos membros da sociedade civil que foram atingidos duramente. Para acentuar esse traço, e sua vitalidade, ele aparece uma vez diante da câmera, opondo-se claramente ao condenado, para rechaçar categoricamente a imparcialidade.

Após essa rememoração sólida, atravessada por demonstrações frequentes e bonitas de emoção, Santiago, Itália abre seu escopo, oferecendo um dado específico que liga parte dos entrevistados e, inclusive, o porquê de alguns deles expressarem-se em fluente italiano. O filme reconstituiu o abrigo da embaixada da Itália às mais de 200 pessoas, e a posterior abertura aos exilados em solo europeu. Há uma sintomática celebração da receptividade que os chilenos tiveram, com eles próprios falando do apoio, não somente do Partido Comunista, mas da população simpática aos refugiados. Tendo em vista a xenofobia de hoje em dia, agravada na Europa pela crise imigratória, com multidões oriundas de países atingidos por conflitos bélicos, é perceptível uma camada de desalento nessas recordações aparentemente chapa-branca da Itália receptiva e acolhedora. Assim, o caráter cíclico da políticas conduzidas pelas elites e, concomitantemente, a tradição italiana de combate ao autoritarismo e a solidariedade aos desvalidos são deflagrados. A discrepância quanto ao panorama atual, embebida em melancolia, surge por meio do chileno que diz o quanto sua pátria adotiva mudou desde então.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
7
Edu Fernandes
4
MÉDIA
5.5

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