Crítica


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Sinopse

Depois de supostamente ser visitada pela Virgem Maria, Alice tem de volta a audição e passa a pretensamente curar as pessoas. Um jornalista decadente se interessa pela história e começa a questionar a natureza desses milagres.

Crítica

Mais que exemplar de terror, Rogai por Nós é fundamentalmente um filme religioso. E isso fica evidente pelo desenho da curva dramática do protagonista de Jeffrey Dean Morgan. Gerry é um jornalista inescrupuloso, capaz de fabricar notícias e lançar mão de qualquer sortilégio se isso significar manter-se em evidência. Em vários sentidos, remete ao papel icônico de Kirk Douglas em A Montanha dos Sete Abutres (1951) – cínico, deparado com um caso que pode ser sua redenção, visto negociando exclusividade com uma editora famosa, etc. –, ainda que a comparação não lhe seja favorável. Isso, porque esse homem não tem muitos espaços de manobra para apresentar eventuais complexidades. Se trata pura e simplesmente de um sujeito descrente ao ponto de fazer pouco da boneca bizarra encontrada no vão de uma árvore semelhantemente grotesca. Aliás, a direção de arte a cargo de Felicity Abbott não preza pelas sutilezas, algo corroborado irrestritamente pela direção, vide as obviedades de certos direcionamentos e até os contornos dos coadjuvantes quase caricaturais.

Mas, voltando a Gerry, é curioso que o encerramento de Rogai por Nós chegue como uma demonstração da expiação pessoal. Sua jornada passa pela aceitação de que há um Deus onipotente escrevendo certo por linhas tortas. Rapidamente, sem questionamentos para intensificar seu suposto ceticismo, ele “compra” a história da menina interiorana tocada pela voz da Virgem Maria. O cineasta Evan Spiliotopoulos sequer sublinha o “ver para crer”, algo óbvio dentro da perspectiva que leva em consideração como pilares a iconografia e a mitologia cristã. O protagonista tem uma revelação repentina diante da jovem muda que passa a professar verbalmente o que o suposto espírito de luz tem a dizer ao mundo. No entanto, o desenvolvimento prepara o terreno à confirmação (ao homem "ignorante") de que há muito mais entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia. Trocando em miúdos, tudo que o enredo apresenta é praticamente uma consecução de desculpas esfarrapadas para mostrar ao incrédulo que Deus existe e se manifesta de maneiras misteriosas/insondáveis.

Porém, no miolo da peregrinação claudicante pelas sendas das incógnitas místicas há a ascensão de um espírito maligno em busca de vingança. É sabido que diversas mulheres foram sacrificadas como bruxas em fogueiras inquisitórias por terem comportamentos atribuídos a uma ligação com forças nefastas. Em Rogai por Nós, a confirmação dessa recorrência alimentada pela lógica patriarcal é outro indício da carolice prevalente sob a membrada da edificante luta contra o mal. De que adianta, por exemplo, começar tudo com a câmera subjetiva apresentando o martírio excruciante da encerrada numa máscara mortuária torturante e suspensa sobre labaredas, senão para nos aproximar emocionalmente da vítima que padece diante dos algozes? Por aqui essa perspectiva singular não carrega seu sentido óbvio, se configurando, no fim das contas, num artifício infundado, pois destituído de qualquer propósito dramático. Esse privilégio gratuito do ponto de vista insuspeito condensa a falta de habilidade diretiva para lidar com símbolos e engrenagens da linguagem.

Além da fundação religiosa – a existência de Deus é provada pela atitude do Diabo –, Rogai por Nós possui uma série de outras fragilidades. Sempre tem alguém para revelar convenientemente fatos escondidos, descortinando histórias seculares. Isso atinge o ápice quando um documento em latim é traduzido pela médica local. “Latim era uma matéria obrigatória na faculdade”, diz a doutora vivida por Katie Aselton, ela que assume meio que a função de faz-tudo na cidade, pois também parece uma guia turística em alguns momentos. Os clérigos interpretados por Cary Elwes e Diogo Morgado são figuras postiças, repletas de gestos forçados, caras e bocas que denotam uma gritante falta de cuidado, tanto na delineação de seus trejeitos (problema de atuação) quanto no encaixe dentro do todo (falha da direção). A atmosfera do filme é bastante anêmica, sobretudo porque Evan Spiliotopoulos acredita que meia dúzia de jump (fake) scares – sustos repentinos – atrelados a signos católicos são suficientes para colocar o espectador em estado de suspense. O resultado é uma coleção de lugares-comuns, personagens afogando-se no raso e a prevalência do determinismo religioso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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