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Sinopse

Morto em combate, um policial é transformado num ciborgue pela empresa que dirige a força de segurança da cidade de Detroit. Apesar da memória apagada, lembranças acabam o assombrando.

Crítica

A releitura de RoboCop dirigida por José Padilha tenta se distanciar do clássico futurista-niilista de Paul Verhoeven, lançado em 1987, ao apresentar pelo menos três modificações importantes na trama. No entanto, nem todos os novos núcleos narrativos têm desenvolvimento adequado, prejudicando a totalidade do filme, que anula o humor-negro do original e apresenta um discurso filosófico e científico enfraquecido frente à intensa ação policial. Agora, a zona de influência da poderosa OmniCorp é ampliada para o plano global, ultrapassando os limites de Detroit e atualizando a rede de atuação da empresa. Ao mesmo tempo, o enredo centra-se na corrupção policial em solo norte-americano e redimensiona o drama familiar do agente Alex Murphy (Joel Kinnaman), pouco explorado no longa anterior.

No filme de Padilha, a OmniCorp está alinhada à política externa norte-americana e ao poder militar do país, colocando seus humanoides em ação em cidades como Teerã – algo próximo da realidade atual, em que drones policiam constantemente o espaço aéreo do Oriente Médio. Porém, apesar do sucesso da corporação atrás das linhas inimigas demarcadas pelo filme, a empresa é proibida de desenvolver programas nos Estados Unidos. Seus robôs desprovidos de capacidade emocional são considerados inadequados para lidar com pessoas.

Para não perder uma chance de negócio, a OmniCorp busca uma forma de ter seus produtos aprovados pela opinião pública americana, avessa à impessoalidade da tecnologia de guerra que emula o ser humano sem ao menos chegar perto da essência do homem. A alternativa seria desenvolver uma máquina que tenha consciência do que é ser um humano, que saiba lidar com sentimentos e questões morais a ponto de determinar por conta própria o que seria fazer o certo e o errado – problemática explorada ao longo de boa parte da ficção científica e desafio maior da ciência robótica ainda hoje, mas que no longa ganha um tratamento superficial, exposto em cenas como a própria tomada de consciência de Murphy sobre sua nova condição ciborgue.

Importante notar sobre isso que, na obra de Padilha, Murphy sabe desde o início que teve o corpo robotizado em uma experiência, diferentemente do longa de Verhoeven, o que gera mudanças importantes no remake.

O novo filme também reflete o mundo contemporâneo ao expor a corrupção de policiais responsáveis pelo repasse de armas confiscadas pelo Estado ao crime organizado – nada muito diferente do que ocorre no Brasil hoje, por exemplo. O esquema descoberto por Murphy, apresentado em uma excelente sequência de inteligência e ação policial, contudo, provocará sua quase morte, transformando-o no principal candidato entre as cobaias do novo projeto da OmniCorp.

E é aí que começam alguns dos problemas do RoboCop de Padilha. Murphy sofre um atentado potencialmente fatal em sua casa, trazendo para perto de sua família o risco inerente à defesa da lei. É assim que a trama abraça a questão familiar de uma forma que a obra de Verhoeven não fez anteriormente. Por outro lado, o filme do cineasta brasileiro não dimensiona as relações de Murphy com mulher (Abbie Cornish) e filho (John Paul Ruttan) de forma efetiva. Não sabemos nada sobre a vida pregressa da família nem o que há de especial entre eles, a não ser o que fica subentendido de forma genérica pelo roteiro de Joshua Zetumer, impedindo a melhor identificação entre público e personagens.

Durante o filme, todas as cenas familiares, como a própria volta de Murphy-robô para casa, tornam-se rasas, postiças, prejudicadas por um vazio imenso que nunca será preenchido, pois não há lastro dramático suficiente entre os personagens para isso. E, sendo a problemática familiar o principal dispositivo pelo qual Murphy parte para sua trajetória de vingança, entrando em conflito direto com a corporação que o criou, é natural que esta motivação do personagem torne-se também um percurso autômato, do qual somos testemunhas sem sermos participantes. Se no enredo o controle da emoção de um organismo sintético é o obstáculo definitivo da OmniCorp, a questão emocional dos personagens é também uma barreira intransponível para o próprio filme de Padilha. Há um descompasso nítido entre o teor psicológico (e vá lá, filosofal) que o filme propõe e a verdadeira carga psicológica (filosófica) que entrega. Um não corresponde ao outro.

Dessa forma, a produtiva contraposição entre humano e inumano, sugerida por Robocop em 1987 a partir de altas doses referenciais ao clássico literário Frankenstein (1931), fica igualmente enfraquecida. Resta ao público tentar enxergar algum debate crítico sobre biotecnologia, transformação corporal, identidade, livre-arbítrio, condicionamento e privatização do serviço público entre os ruidosos tiroteios das cenas de ação – estas sim, brilhantemente assinadas por Padilha, ecoando não apenas Tropa de Elite (2007), mas também games de tiro em primeira pessoa.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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