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Sinopse
Em Ritas, a vida pessoal de Rita Lee e seu processo criativo são desvendados, revelando, assim, seu talento musical e sua capacidade de metamorfose no palco. A própria Rita guia a narrativa em entrevistas concedidas durante toda a sua carreira e depoimentos recentes e inéditos. Documentário.
Crítica
Em certo momento do documentário Ritas, de Oswaldo Santana e Karen Harley, a cantora Rita Lee refere-se a si mesma na terceira pessoa, para logo se justificar: “odeio falar em mim como se não fosse eu, como uma entidade, mas essa não sou eu mesmo, é Rita Lee, é praticamente um ser independente”. A suposta contradição é repetida mais de uma vez durante as cenas coletadas e exibidas pelos realizadores. E se mostra perfeita para introduzir o espectador ao mistério que, de fato, foi Rita Lee. Mulher, mãe, roqueira, cantora, compositora, atriz, artista, esposa, presidiária, libertária, independente. Ela foi muitas, e mesmo assim permaneceu uma incógnita. Dois anos após sua partida, esse longa se propõe não a apresentar um relato definitivo, contentando-se em abrir muitas das portas pelas quais a homenageada tanto escancarou quando viva. Um ponto de vista que a narrativa assume de forma acertada.
Oswaldo Santana estreia agora na assinatura de um longa-metragem, mas é conhecido no meio cinematográfico nacional há anos pelo seu trabalho como montador. Para se ter uma ideia, já foi indicado ao Prêmio Grande Otelo – o “Oscar” brasileiro – duas vezes, pela ficção Bruna Surfistinha (2011) e pelo doc Tropicália (2012). Tais credenciais oferecem uma noção diante do que será visto durante os quase 90 minutos de Ritas. A parceria com Karen Harley é outro ponto a ser considerado. Igualmente uma montadora de mão cheia – ganhou o Grande Otelo cinco vezes – estreou como co-diretora com Lixo Extraordinário (2010), filme que chegou a ser indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário em Longa-metragem. Os dois, juntos, assinam o roteiro em parceria com Fernando Fraiha (Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa, 2024), e fazem dessa uma experiência tanto audiovisual, quanto sensorial. A Rita Lee que aqui é apresentada não precisa ser explicada. Tal compreensão se dá melhor quando apenas sentida.
Se há projetos documentais biográficos que tratam de reunir o maior número de pessoas famosas em entrevistas e depoimentos e, a partir destes dizeres, formatar um mosaico a respeito do homenageado, Ritas segue caminho diametralmente oposto – e por isso mesmo, mais interessante. Aqui o foco é quase que por completo em ninguém menos do que a própria Rita Lee, que fala em entrevistas recentes, após já ter declarado aposentadoria e ter se mudado com o marido e parceiro criativo Roberto de Carvalho para um sítio no interior, como também ao longo de toda uma imensamente frutífera e atribulada carreira, revelando um impressionante trabalho de pesquisa e de organização temática. Não se percebe uma preocupação predominante em pontuar feitos e conquistas. A ideia geral é apontar o impacto da artista, tanto hoje quanto ontem, o que a motivava em sua arte, o apoio da família, os grandes colegas, as polêmicas que marcaram essa trajetória e suas maiores angústias, sem permitir que a mera questão cronológica fosse determinante.
Assim como Moonage Daydream (2022) – dedicado à David Bowie, a quem Rita cita em cena como uma das suas fundamentais inspirações – ou Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei (2009) – que se debruçou sobre a ascensão e a queda do controverso Wilson Simonal – também Ritas propõe por meio de um inspirado estudo visual combinar som e imagem no intuito de mover sua audiência rumo às mais diversas direções. Nada do que reúne e exibe se apresenta como final, assim como Rita Lee também nunca almejou. Muito mais interessante do que responder é o ato de fazer perguntas, e essa parece ser uma lógica que a guiou, não apenas enquanto criadora, mas também – e principalmente – como ser humano. Eis, enfim, um discurso aberto à troca e ao diálogo, tanto entre obra e espectador, como daquela que aqui é prestigiada com máxima atenção ao todo que a rodeou antes, agora e depois. O processo, portanto, é que importa. E esse é o maior dos acertos.


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