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Sinopse

Dione é um jovem misterioso que vive com uma família em uma região rural e remota. A tranquilidade da região é afetada quando um rico fazendeiro tenta comprar a pequena propriedade na qual Dione e a família vivem.

Crítica

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Davi Pretto entrou de vez no cenário cinematográfico brasileiro com seu longa de estreia, Castanha (2014), que teve a primeira exibição no prestigiado Festival de Berlim, na Alemanha. De lá para cá foram diversos prêmios conquistados em eventos do gênero no Brasil e no mundo. O que pouca gente sabe, no entanto, é que antes mesmo desse trabalho o cineasta já vinha acalentando a ideia de outro projeto, que chegou até ele pelas mãos do roteirista Richard Tavares. Rifle é o nome do filme que, apesar de ter sua gênese lá num longínquo 2010, chegou às telas apenas seis anos depois, na mostra competitiva do 49° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. E o resultado, ainda que tenha dividido as opiniões mais críticas num primeiro momento, demonstra um inegável avanço no cinema do realizador.

Ao contrário do cenário urbano do seu primeiro trabalho, Pretto dirige o olhar agora para o sul do Rio Grande do Sul, em uma pequena vila afastada de tudo e de todos. No campo onde o horizonte não tem fim, o jovem Dione (Dione Avila de Oliveira) acredita ter encontrado seu canto no mundo. Lá tem terra, namorada e trabalho. Ele ajuda a família da garota com as lidas diárias do sítio onde moram. O ponto de ruptura, no entanto, se dá quando forasteiros se aproximam com a intenção de adquirir as propriedades da região. Está chegando ao fim a criação de gado, é a vez agora do plantio de soja. O homem mais velho está decidido: não há como seguir ali. Os vizinhos já se foram, a insegurança toma conta, é preciso cuidar dos seus e pensar no que for melhor para eles. Dione está, portanto, cada vez mais sozinho. E precisa descobrir como contornar essa situação.

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Da mesma forma como ocorreu com Castanha, Pretto prefere trabalhar em Rifle com não atores, ou, como prefere dizer, intérpretes iniciantes, que nunca haviam demonstrado talento ou interesse pela atuação. Dione, o protagonista, é taciturno, sempre desconfiado, com a cara fechada e poucas palavras. É difícil saber o que está pensando e quais são as suas intenções. Essa complicação em sua leitura se reflete também na narrativa. Tem-se aqui um filme de muitos silêncios, de diálogos escassos e motivações reveladas sem pressa. De onde o garoto vem, o que fez ou está disposto a fazer em nome de seus interesses são coisas que o público tem acesso quase que junto do protagonista, que as guarda tão fundas em si que até para ele elas parecem inéditas.

Rifle é composto de imagens muito fortes, e várias delas falam mais alto do que as palavras de seus personagens. Um carro em chamas corta o pampa gaúcho. Uma mira certeira e tiros potentes interrompem os percursos dos viajantes que se arriscam pelas redondezas. Um senhor abatido, com o peito em sangue vivo, descansa embaixo de uma árvore, tendo em seu colo uma arma que não lhe pertence. Dione vai agindo de forma quase instintiva, entre um desejo animal e um cálculo frio. Sua natureza está em jogo. Permanecer no ambiente que não mais tem espaço para ele ou partir – ou voltar – para o desconhecido, onde talvez (provavelmente) não consiga se encaixar. Deslocado, estranho, perdido. Sensações difíceis que estão tanto no protagonista quanto no próprio filme. Se num primeiro momento causa mal estar no espectador, com uma reflexão mais profunda ele confirmará este ser o verdadeiro intento da obra, colocar a audiência no lugar daquele que vive, e não interpreta, tais eventos.

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Ainda mais pessoal do que seu exercício anterior, Rifle demonstra as preocupações e o olhar de um cineasta ainda iniciante, mas com muito a dizer e sem pressa para tais discursos. O tempo lhe será juiz, assim como com àqueles ao seu lado, uma nova geração de profissionais que está mudando a forma de se fazer e pensar o cinema gaúcho – e, por que não, brasileiro. É um filme sem respostas fáceis, que em determinados momentos pode até sucumbir a um hermetismo exagerado, quando elipses mais atrapalham que ajudam. Porém está tudo lá, seu vigor e talento são inegáveis. É parte de um processo. Espera-se, portanto, que assim como seu personagem central soube o momento certo de abrir mão daquele objeto que lhe valida, também Pretto consiga seguir em frente, neste contínuo processo de contar histórias.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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