Crítica


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Sinopse

Num rincão esquecido da vasta burocracia brasileira, um chefe psicótico usa uma máquina do tempo para duplicar seu quadro de funcionários. O objetivo é aumentar a produtividade da repartição.

Crítica

Um departamento de registro de patentes em Brasília recebe um ilustre convidado: uma máquina do tempo. O funcionário que descobre a existência do equipamento fica espantado em conviver com sua versão do passado, assim como outros colegas vão descobrir mais tarde. O problema ocorre quando a notícia chega até o chefe da repartição, um psicopata que parece ter feito escola com Hitler ou, talvez, com o grande ditador de Charles Chaplin. A inventiva história de A Repartição do Tempo tem uma ideia muito melhor que a real concepção. Porém, mesmo os deslizes do filme não tiram o mérito de originalidade da obra do diretor Santiago Dellape.

Aqui há uma crítica à burocracia do serviço público, seja pela imagem que vemos de funcionários preguiçosos, ou no texto escrachado escrito pelo diretor ao lado de Davi Mattos. O uso de termos recorrentes na vida dos concursados, como licença premium e morosidade, se alia a um embate entre esquerda e direita, ainda que às avessas e um tanto quanto sem noção. O chefe maluco que dá sequência à trama ao prender seus subalternos em um porão para agilizar o andamento dos processos e, assim, aumentar o nível de qualidade da repartição, é o retrato perfeito da direita odiosa que toma conta das redes sociais: fala tudo o que vem à cabeça, sem raciocinar, não aguenta ver seus subordinados progredirem e ataca a todos com termos como “esquerdopata” e “vagabundo”. A atuação teatral de Eucir de Souza ajuda ainda mais nessa concepção.

Porém, o outro lado da história também não é formado por anjinhos de candura. Os servidores da casa são, realmente, o retrato clichê do funcionalismo público que não funciona e tem preguiça de fazer qualquer coisa para ajudar os outros. E, quando se proliferam em cópias de si mesmos, a situação parece ainda pior. A esquerda talvez nunca estivesse tão mal representada. Ou será que é um retrato parcial da realidade? Independentemente das posições políticas tomadas no filme, elas são o que menos importa, pois bastante superficiais no todo. O roteiro começa a ficar truncado demais ao longo de seus 100 minutos, chegando a causar confusão a certa altura.

Sorte que o humor nunca perde seu timing graças à bela montagem que brinca com as amarras do texto. Quando o trapalhão Dedé Santana entra em cena para uma participação especial como policial tresloucado, não tem como segurar as risadas. O longa já atingiu seu propósito, que é entreter com um gênero pouco explorado no cinema brasileiro: a ficção científica. Não precisa ser um Gravidade (2013) ou A Chegada (2016), com efeitos visuais fantásticos e tramas profundas. Só o fato de fugir da mesmice já é digno de aplausos para seu realizador. Ainda mais quando o saldo geral é positivo. Com tantas comédias que apelam para o grotesco, A Repartição do Tempo chega a ser um sopro de alívio perante tanta bobagem. Aqui, ao menos, a intenção é fazer rir com inteligência, sem subestimar o Q.I. do espectador.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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