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Sinopse

À procura de candidatas a modelo no interior do Rio Grande do Sul, o fotógrafo João conhece uma jovem de rara beleza e acaba se envolvendo com a mãe dela. Apaixonado, o sujeito deseja levar as duas embora.

Crítica

Adolescentes reunidos durante as férias no litoral. A descoberta do primeiro amor. Um rapaz precisando lidar com um mistério familiar. Jovens adultos brincando de fazer cinema. Em seus trabalhos anteriores de ficção, Jorge Furtado fez bom uso do humor para lidar com temas sérios, fazendo uso deste recurso para que sua narrativa fosse rapidamente identificada como assumidamente leve e de fácil assimilação. Esta ferramenta, no entanto, é deixada de lado no seu sexto longa-metragem, o drama Real Beleza. A relevância dos temas abordados segue em cena, com a diferença, no entanto, da forma como decide trabalhá-los no desenrolar da trama.

A discussão sobre a natureza do belo permeia a trama de Real Beleza. Como protagonista, temos João (Vladimir Brichta, talvez no seu personagem mais complexo na tela grande), um fotógrafo de moda em busca de um novo rosto para levar frescor e justificar seu olhar profissional. Circulando pelo interior do Rio Grande do Sul, ponto de origem de algumas das mulheres mais lindas do Brasil – e do mundo, como Gisele Bündchen não nos deixa mentir – ele passa seus dias retratando garotas entre 12 e 18 anos, sempre atrás daquele a mais que possa ser identificado como diferencial. Não se trata de algo matemático, de fácil assimilação. A beleza tem que estar na modelo, mas também nos olhos de quem a vê. E por isso mesmo essa não é uma das tarefas mais simples.

Quando está prestes a desistir, encontra Maria (a novata Vitória Strada, em performance irregular). A menina lhe fascina, e parece que sua missão chegou ao fim. No entanto, é preciso a permissão dos pais dela. E é quando João decide ir ao encontro deles que Real Beleza ganha nova forma, apontando para um caminho pelo qual se possa perceber o belo não apenas como algo externo, mas também – ou acima de tudo – interno. Anita (Adriana Esteves, segura no dilema que enfrenta), a mãe, logo revela estar com dois corações: um apoiando a menina, outro ao lado do marido (Francisco Cuoco, uma presença forte e magnetizante), que é contra a ideia de deixá-la partir. As coisas se complicam quando João e Anita se envolvem, levantando outro conflito na vida dela: assumir o novo amor ou se ater ao compromisso que possui com o companheiro de uma vida, um homem mais velho e cego, dependente dela, mas que pouco tem hoje a lhe oferecer, apesar do muito que lhe deu no passado.

Há semelhanças gritantes em relação a certos elementos da trama com outros dois títulos próximos. Brichta vive aqui um homem um tanto perdido na vida que parte em uma jornada pelo interior até encontrar como conselheiro um idoso cego que lhe faz, enfim, abrir os olhos. Esta mesma premissa foi vista em A Coleção Invisível (2012), também protagonizado por ele. Por outro lado, a história de um fotógrafo viajante que se apaixona por uma dona de casa – no momento em que o marido dela está ausente – obrigando-a a se decidir entre partir com ele ou permanecer com a família, compõe exatamente o mesmo argumento do sentimental As Pontes de Madison (1995), longa dirigido e estrelado por Clint Eastwood. Jorge Furtado, também autor do roteiro, aparentemente não estava ciente destas similaridades. E ainda que elas existam, seu filme consegue, felizmente, se manter acima delas.

Isso se dá pelo fato de Real Beleza propor, em última instância, outros temas de debate e reflexão. O personagem defendido com vigor por Cuoco é vital para esse processo, pois é ele que surge como a voz da razão. Se o enredo não se preocupa em dotá-lo das nuances necessárias para uma melhor assimilação do seu discurso, ele se encarrega por conta própria de chamar aqueles ao seu redor à razão – estariam eles prontos para partir e assumir o que levam consigo? As mudanças, num primeiro instante, parecem repletas de magia e excitação, mas o que acontece quando os minutos começam a se acumular em horas, dias e meses? O bonito, enfim, pode estar muito mais próximo do que se imagina, bastando para isso saber para onde olhar. É isso que o fotógrafo precisa aprender, assim como o espectador assíduo de Jorge Furtado, que a partir de agora se coloca diante da maturidade de um cineasta decidido a conquistar novas paragens.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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