Crítica
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Sinopse
Os irmãos Raymond e Ray se reencontram depois de muito tempo de distância. Juntos novamente por conta da morte do pai ausente de ambos, eles refletem sobre os homens que se tornaram independentemente desse pai.
Crítica
Filho do grande Gabriel Garcia Marquez, o diretor e roteirista Rodrigo Garcia, por mais que siga se esforçando, jamais conseguiu se colocar à altura dos feitos do pai, mesmo tendo – sabiamente – optado por trilhar caminho diverso, ainda que igualmente atento às artes. Em atividade há mais de duas décadas, tem demonstrado, a cada novo longa, invariavelmente um olhar caridoso, por demais enternecido por seus personagens, volta e meia – até mesmo mais do que seria aconselhável – exercendo uma empatia pelos dramas desses que o impede de propor um olhar distanciado – e, por isso mesmo, também crítico. Suas histórias são assumidamente humanas, resvalando no melodrama com tamanha frequência a ponto de afastar os mais céticos ou desconfiados (o que não chega a ser, necessariamente, algo ruim). Em Raymond & Ray, mais uma vez, parte de um conflito familiar para ir em busca de um inevitável acerto de contas, ainda que tardio, mas não desprovido de significado. Porém, a vontade de que tudo termine bem acaba por suplantar algumas pontas soltas, tropeços que não podem – e nem devem – ser ignorados.
Um dos filmes mais ambiciosos que o cineasta assinou foi o épico religioso Últimos Dias no Deserto (2015). Deste, convocou o protagonista, o escocês Ewan McGregor, para aqui aparecer como Raymond, filho mais velho de Harris (Tom Bower, de A Luz no Fim do Mundo, 2019), com quem nunca chegou a ter uma boa relação. Nem ele, muito menos Ray (Ethan Hawke, que estrelou a versão de Alfonso Cuarón – produtor executivo desse novo projeto – para o clássico Grandes Esperanças, 1998, que, não por acaso, contava com Garcia como operador de câmera, num dos seus primeiros trabalhos em Hollywood). Mesmo assim, os dois concordam em ir ao funeral do homem que nunca demonstrou maiores interesses por eles quando em vida, atendendo a uma solicitação do falecido: “que meus filhos estejam no meu enterro”. O problema, porém, é que esse não foi o único pedido, no mínimo, incomum, deixado como ‘testamento’.
Entre as demais exigências estão a obrigatoriedade dos filhos cavarem a sepultura na qual o pai será enterrado, o uso do caixão mais simples disponível, e a despedida com o corpo embalsamado e aberto à visitação, mas que logo depois deve ser colocado de barriga para baixo e completamente nu. A quantidade de detalhes, assim como a maneira como aqueles que o conheceram nos últimos anos se referem a ele como uma pessoa “bondosa”, “carinhosa” ou mesmo “simpática” causa ainda mais desconforto aos meio-irmãos – sim, são filhos de mães diferentes. Nada que se compare, porém, com a descoberta de que não foram os únicos a serem convocados. Afinal, é neste momento de adeus que a eles se apresentam não apenas mais um, ou dois, mas outros três irmãos, filhos de mulheres com quem o mesmo homem que os colocou no mundo conviveu.
Entre essas está Lucia (Maribel Verdu, de E Sua Mãe Também, 2001), mãe do caçula da família e que deixa claro ter sido “mais uma amiga do que uma parceira sexual” daquele que acabou de partir. Assim, não será impedimento demonstrar interesse por Raymond, que graças aos traumas paternos nunca soube ser ele próprio um pai de família ou mesmo um marido que fizesse jus a ao menos uma das duas ou três esposas que teve. Ray, por sua vez, também tem os seus fantasmas com os quais lidar, dos quais acaba por escapar em noites de bebedeira, o troca constante de novas conquistas românticas ou sessões de música. Essa rotina é interrompida também graças à interferência paterna: Kiera (Sophie Okonedo, que merecia maior destaque), ao chegar na cerimônia fúnebre, frustra uma tentativa de aproximação por parte dele ao confrontá-lo com dignidade, o que desperta em Ray uma curiosidade que vai além do momentâneo.
Como se percebe, o cenário é rico em detalhes, mas por demais simétrico, como se cada encaixe fosse necessário apenas para gerar o balanço oposto necessário. Um quebra-cabeças que, de tão preciso, perder a espontaneidade. Raymond & Ray poderia ser apenas mais um road movie – e nem chega a se qualificar como tal, pois os trechos na estrada são mínimos – mas se insiste em empurrar ao espectador a mesma jornada de transformação tão típica a este gênero, uma fórmula simplista e reducionista, como se afirmasse que basta um aceno de realidade para que a mudança interna, enfim, se manifeste. Algo que sabe-se estar distante da realidade. Por mais que Rodrigo Garcia deixe claro não saber como evitar a dosagem de açúcar, este é um filme que só não pode ser desprezado por completo graças ao trabalho de um elenco – McGregor, Hawke, Verdú, Okonedo – coeso em suas entregas e performances. Mesmo assim, é inevitável constatar que os quatro mereciam mais – e melhor.
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