Crítica

O cinema italiano é muito próximo do argentino, se pensarmos que a maioria dos seus filmes de maior sucesso – ao menos que chegam até nós – são bastante humanos, sejam dramas ou comédias. E o recente Que Mais Posso Querer é um bom exemplo. Sua trama não é nada original – repetitiva, até – mas cativa pelos personagens bem construídos e por suas histórias, facilmente identificáveis a qualquer um de nós. E é justamente essa humanidade que torna a experiência de assisti-lo mais interessante.

O diretor Silvio Soldini é um dos maiores expoentes da sétima arte na Itália, país que já gerou mestres como Federico Fellini, Ettore Scola e Michelangelo Antonioni. Na ativa desde o início dos anos 80, ele teve seus trabalhos de maior sucesso exibidos no Brasil com um bom retorno no circuito alternativo de arte. Em comum, Pão e Tulipas (2000), Queimando ao Vento (2002) e Ágata e a Tempestade (2004) tinham o fato de serem universais, com sentimentos muito bem explorados e tramas ao mesmo tempo comuns e singulares. Uma mulher é esquecida pela família durante uma viagem de férias e descobre prazeres inusitados por conta própria. Um homem que não consegue dar um rumo a sua vida por não conseguir se livrar dos fantasmas do passado. Uma outra mulher – ou seria a primeira? – que se aliena de todos os problemas de sua vida refugiando-se nas lições dos livros de auto-ajuda. Problemas e situações tão específicas, mas ao mesmo tempo facilmente reconhecíveis.

Assim como o dilema de Anna (Alba Rohrwacher), uma mulher aparentemente feliz no casamento, mas que mesmo assim resolve experimentar o gosto da traição. Certo dia, numa festa de trabalho, decide flertar com o garçom. Os dois trocam números de telefone, e em questão de dias estão visitando motéis. Ela engana o marido, um tipo bonachão que nem sonha com o que possa estar acontecendo. O amante, no entanto, aos poucos ganha espaço no enredo, e descobrimos que ele não é tão livre quanto parece – muito pelo contrário, tem esposa e dois filhos pequenos. Ou seja, qualquer pessoa com um pouco de vivência sabe de antemão como isso irá acabar. Mas não é a previsibilidade do roteiro que irá nos cativar, e sim como somos levados até essa conclusão. E, mais importante ainda, quem nos conduz até lá.

Que Mais Posso Querer parece ser a pergunta que a protagonista se faz. Um bom trabalho, uma família feliz, um homem que a ama. Tem direito de desejar mais? E querer tudo não seria ficar com nada? Estas são algumas das questões enfrentadas por ela, num filme bonito e envolvente. Aqui não temos efeitos especiais, grandes estrelas de Hollywood ou finais felizes dignos de cinema. O que é entregue é a vida como ela é, com belezas e defeitos, mas ainda assim digna de ser vivida. Nem que seja para se aprender uma lição e, assim, conseguir seguir em frente de cabeça erguida.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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