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Sinopse

Glória é casada com um motorista de táxi grosseiro e infiel. Ela é obrigada a trabalhar para sustentar a família, que ainda conta com um filho traficante, uma sogra exploradora e um adolescente. Viciada em remédios, Glória começa a perder o controle quando entra numa fase de abstinência.

Crítica

Mais uma ultrajante comédia de humor sombrio assinada por Pedro Almodóvar, Que Fiz Eu Para Merecer Isto?, quarto filme do cineasta, colocou seu nome no mapa como um talento emergente para se acompanhar de perto. Até então motivo de culto por cinéfilos e críticos entre circuitos alternativos, trata-se do primeiro trabalho de Almodóvar a receber a devida distribuição internacional e, merecidamente, tornar seus filmes seguintes obras a serem esperadas ansiosamente.

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Uma das produções mais naturalistas de Almodóvar, Que Fiz Eu Para Merecer Isto? é uma comédia que se vale da seriedade de seu tema para fazer rir. Inspirado pelo neorrealismo italiano, o diretor utiliza códigos comuns deste cinema para discorrer sobre a frustração feminina e a ruptura de uma família, mas tudo ao seu modo; pedofilia, homossexualidade, assassinato e prostituição não demoram para aparecer em seu enredo. Neste, a icônica Carmen Maura interpreta Gloria, dona de casa que vive num pequeno apartamento com seus dois filhos adolescentes, sua excêntrica mãe e um marido abusivo, numa normalidade interrompida quando ela (acidentalmente?) mata seu marido. Tecnicamente, Que Fiz Eu Para Merecer Isto? é deliberadamente repleto de imperfeições e os valores de produção são bastante brutos, mais uma vez um reflexo da falta de orçamento do filme com a inexperiência de um Almodóvar ainda em plena formação cinematográfica. Ainda assim, o visual razoavelmente pobre do longa funciona ao lado da narrativa de contexto realista, seus protagonistas e a classe social e trabalhadora que eles habitam.

Como Gloria, Carmem Maura. Musa maior de Almodóvar nos anos 1980, a atriz apresenta uma performance central excepcional, responsável por tornar o enredo inconstante e plenamente almodovariano em uma experiência tão atraente quanto divertida. O cineasta sempre foi reconhecido como um diretor de grandes atrizes, dedicando grande tempo às performances de seus projetos, e já em seus primeiros trabalhos é possível atentar para seus cuidados minuciosos com a exposição e construção de elencos afinadíssimos. Esta fixação era justificada pelo próprio, que acredita que atores são a vida do cinema, uma vez que tudo é transmitido por estes. Segundo Almodóvar, luz, mise-en-scene e todo o resto, ainda que essenciais, não são nada comparados aos atores.

Repleto de passagens comicamente incorretas, ainda que hilárias, Que Fiz Eu Para Merecer Isto? se dedica ao retrato de Gloria como uma trabalhadora arruinada justamente pelo trabalho. Sua opressão social e subordinação econômica sugerem que a libertação sexual do gênero só pode ser conquistada a partir de luta, o que geralmente culmina em atitudes extremas (e, no filme, até criminais). Significativamente, a partir da natureza essencialmente feminina, muitas das atitudes de Gloria são invisíveis aos homens que estão ao seu redor. Ainda assim, como nos melhores filmes de Almodóvar, aqui são as mulheres que importam; mesmo em maioria de número, nenhum homem tem lá muita participação no que define o que este filme tem de melhor.

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Que Fiz Eu Para Merecer Isto? se destaca entre os filmes menos estilizados de Almodóvar, mas talvez seja um dos mais importantes no retrato e problematização dos dilemas urbanos e domésticos da classe trabalhadora de Madri (e de grande parte do mundo ocidental). Densa população, moradias quase inabitáveis, analfabetismo, delinquência juvenil, abuso de drogas e desemprego em índices altíssimos – ainda maiores para as mulheres. Tudo devidamente retratado e criticado, ainda que com gargalhadas garantidas e a assinatura singular de Pedro Almodóvar.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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