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Sinopse

Uma investigação sobre o percurso estético, político e existencial do ator Antônio Pitanga. Dirigido por grandes cineastas, o artista foi destaque em alguns dos momentos de maior inquietação artística do cinema brasileiro.

Crítica

A tessitura de Pitanga é essencialmente emocional, embora também fortemente histórica. O documentário se propõe a radiografar Antonio Pitanga, um dos nomes mais importantes das artes cênicas brasileiras, assim fazendo dele biografado. Do próprio cinema, como suporte, os diretores Beto Brant e Camila Pitanga se valem de imagens icônicas que explicitam vários períodos da produção nacional, especialmente dos anos 60 para cá. Então, a trajetória profissional desse soteropolitano sorridente e boa praça, tão orgulhoso da negritude quanto das raízes africanas, é passada a limpo. O percurso, construído com precisão e ternura, confere a Antonio o que é de Antonio, ou seja, o espaço de destaque no nosso ambiente artístico. A sucessão de fragmentos cinematográficos do passado mostra exemplarmente como sua constância nas telonas foi imprescindível desde a era pré-cinemanovista. Figurinha carimbada igualmente nos palcos e nas telinhas, ele personifica como poucos uma parcela significativa do Brasil.

Pitanga é um filme de encontros. Das interações de Antonio com amigos, colaboradores, familiares e ex-amores, os diretores Brant e Camila extraem o sumo de uma vida dedicada à arte, não apenas a ligada ao ofício, mas também a arraigada no cotidiano. De passagem por sua terra natal, ele conversa com notáveis que, na época da mocidade, transitaram pelos mesmos espaços culturalmente efervescentes da capital baiana. Sempre em clima descontraído, bastante achegado, o protagonista fala com gente do calibre de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, inclusive relembrando com esta o namoro deles na adolescência. Aliás, se há um traço que sobressai, sendo fundamental para entendermos a personalidade singular do protagonista, é a sua propensão ao galanteio, ao flerte. Em diversos momentos, Antonio evoca relacionamentos, entre casos e envolvimentos duradouros, inclusive com colegas de trabalho. Os interlocutores demonstram genuínas felicidade e nostalgia ao recordar outros carnavais, o que deixa tudo íntimo.

Beto Brant e Camila Pitanga alinhavam a narrativa com esse carinho desprendido dos bate-papos. Muitas vezes, é como se as câmeras não estivessem ali, intrometendo-se. Esse dado de “invisibilidade” faz bem ao filme, pois evita qualquer sinal de artificialidade, favorecendo, assim, sua atmosfera característica de espontaneidade. A relevância de Antonio enquanto estandarte da negritude, símbolo de bandeiras e conquistas, é um elemento que perpassa Pitanga integralmente. Sintomas disso, as especialmente importantes e emocionantes conversas com Zezé Motta, Léa Garcia e Ruth de Souza. Pessoas de seu círculo próximo, companheiros das filmagens e dos palcos da juventude, entre demais personagens menos notórios, surgem para matizar este retrato. Sempre adotando o sorriso largo e a disposição a olhar saudoso para trás, porém sem perder de vista o porvir, Antonio é delineado como um homem extremamente querido e respeitado, daquele tipo a quem nunca falta acolhida.

Embora abertamente uma celebração, Pitanga não chega a resvalar numa esfera banal e meramente hagiográfica, principalmente em virtude da maneira como os diretores concebem o discurso. Trocando constantemente de cenário e parceiro(a) de prosa, Antonio fornece fragmentos que, habilmente justapostos, criam a sensação de acompanharmos uma existência de plenitude profissional e pessoal. Portanto, um aspecto que contribui para a multiplicidade é exatamente a equivalência entre homem e artista. O ator de A Grande Feira (1961), Barravento (1962) O Pagador de Promessas (1962), Ganga Zumba (1964) e A Grande Cidade (1966), entre tantos longas-metragens emblemáticos, possui atenção semelhante à dispensada ao amigo, parceiro de cena e pai de dois filhos – os também atores Camila e Rocco Pitanga. Isso cria uma sensação intensa de proximidade com Antonio Pitanga, cuja carreira é marcada por coragem, entrega e criatividade, e a privacidade pela manifestada predisposição a rir e cultivar afetos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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