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Sinopse

Bruno e Guy são desconhecidos que começam a conversar sobre seus problemas durante uma viagem de trem. Um deseja se livrar do pai e o outro quer se divorciar. E que tal se ambos resolvesse os problemas do outro com crimes?

Crítica

O tema dos personagens duplos sempre permeou as obras de Alfred Hitchcock. Do tio Charlie e da sobrinha de mesmo nome em A Sombra de Uma Dúvida (1943), a loira gélida e suicida e a morena calorosa de Um Corpo Que Cai (1958), até o franzino e retravado Norman Bates e sua contraparte de mãe opressora e ensandecida em Psicose (1960), exemplos não faltam para provar a paixão do diretor pelo tema. Mas em Pacto Sinistro (1951), a ambiguidade extrapola os sentidos dos personagens duplos, como se os antagonistas fossem a mesma pessoa dividida em duas. Na trama, dois estranhos se conhecem em um trem (daí o título original, baseado na obra de Patricia Highsmith) e fazem um acordo inusitado. Bruno (Robert Walker) é um psicopata que odeia o pai. Guy (Farley Granger) é um famoso tenista que está tendo um caso com outra mulher e quer se livrar da esposa. Bruno propõe a Guy que ele mate sua esposa, enquanto Guy deveria matar o pai de Bruno. O tenista leva tudo na brincadeira, mas Bruno vai a fundo no suposto acordo e mata a mulher de Guy.

Bruno gosta de agir nas sombras, é ligado à mãe de uma forma edipiana (o que explica, cruelmente, o desejo de matar o pai) e gosta de correr riscos. Hitchcock apresenta o personagem com uma dubiedade sexual, manifestando em alguns pontos o desejo tanto de ser como de ter Guy, por isso também a proposta de se livrar da mulher dele. Ele representa o desejo interno de Guy de matar a esposa e viver uma vida menos “correta” e assim estrangula a mulher do tenista num parque de diversões. Robert Walker, numa atuação memorável, apresenta este Bruno complexo de tal forma que chegamos a torcer por ele, por mais doentio que o personagem seja. Guy, apesar do tropeço, assim digamos, na sua “moralidade” por ter uma amante, é um tenista “correto”, que está sempre na luz e passa mais da metade do filme tentando se livrar de seu alter ego Bruno, de seu “demônio”. O próprio nome já indica: ele é apenas um cara (guy) normal que não quer saber de problemas. Granger convence, mas nunca está à altura de seu parceiro de cena vivido por Walker. Curioso, pois o ator já havia trabalhado com Hitchcock em Festim Diabólico (1948), onde seu personagem inseguro chama a atenção, mesmo sendo apenas o parceiro (inclusive sexual, nas entrelinhas) do protagonista.

Na sequência de abertura podemos notar essa dicotomia entre Bruno e Guy. Vemos dois táxis chegando à ferroviária, e de dentro de cada um saem os personagens, mostrando apenas seus pés. Guy, como já se nota pelos sapatos mocassim pretos, é um personagem correto, tradicional. Bruno usa um modelo excêntrico, branco, com tonalidades de preto, evidenciando sua personalidade extravagante, que hoje em dia poderia ser perfeitamente comum, mas que na época (anos 1950) poderia denotar à sociedade um comportamento transviado. A trajetória dos dois personagens até a entrada da ferroviária é montada de forma que ambos caminhem um de cada lado. Guy à direita, Bruno à esquerda. Os passos de Guy parecem mais calmos, já os de Bruno soam mais rápidos e nervosos. O plano sobre a estrada mostra um trilho que, à medida que parte rumo a seu destino, vai sendo dividido em dois, até que o fade continua a sequência para dentro do trem, onde se dá o primeiro encontro dos protagonistas. Bruno, mais rápido, já está sentado, enquanto Guy chega, senta no banco, e quando vai cruzar as pernas, acaba batendo seu pé no de Bruno. Só após estas sequências é que realmente diferenciamos quem é quem, quando ambos finalmente mostram suas faces.

Em mais uma obra genial, Hitchcock apresenta Pacto Sinistro como ele é desde seu início: o duplo explícito, o antagonismo entre os personagens, um paradoxo entre bom e ruim, normal e excêntrico, homem contido e psicopata assumido. Acima de tudo, a luta entre o bem e o mal, que não é externa, mas vem de dentro dos protagonistas da trama.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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