Crítica

Lançado nos cinemas de Angola em 2007, somente agora, cinco anos depois, é que os brasileiros estão tendo a oportunidade de conferir o documentário Oxalá cresçam pitangas, de Kiluanje Liberdade e Ondjaki. O longa, uma rara produção angolana a cruzar as fronteiras do seu próprio país, chega até nós graças à mostra África Hoje, que retrata a atual cinematografia africana e tem circulado pelas nossas principais capitais. Mais do que mero objeto de interesse social e geográfico, busca ser um retrato íntimo e atual de um local ao mesmo tempo tão distante – afinal, há um oceano entre nós – e tão próximo, seja pela língua, pelas dificuldades de progresso e internacionalização e pela forma de olhar para o futuro sem esquecer o passado em comum que tivemos.

A expressão que dá título ao filme, Oxalá cresçam pitangas, foi extraída de um poema de António Gonçalves, no livro Buscando o Homem, de 2000.  O escritor angolano é um dos principais ativistas da literatura nacional e um forte idealizador da cultura própria. Por isso a relação direta com o que se vê na tela: a busca de um olhar adiante, mostrando uma cidade perdida entre a antiga luta constante pela liberdade, agora em confronto com o universo cosmopolita de hoje, com a modernidade tecnológica que tanto aproxima quanto afasta. Mesmo 30 anos após sua independência, somente na virada do século Angola conseguiu dar fim às guerrilhas internas e obter a almejada paz. E agora que esse desejo é uma realidade, o que fazer com ele? Como construir uma vida que foi sempre uma alternativa, nunca uma certeza?

Elaborado dentro de um formato bastante tradicional, Oxalá cresçam pitangas torce para que o amanhã seja melhor do que o ontem, e justamente por isso em nenhum momento perde de foco o hoje. Os exemplos são numericamente impressionantes, porém nunca muito variados. A esperança ainda está lá, mas precisa ser direcionada para o melhor, não mais – felizmente – para o básico. Por quantos anos tudo o que o cidadão angolano apenas buscava era chegar vivo ao final do dia? Para muitos essa herança ainda é presente, principalmente em costumes e tradições arraigadas, que precisam encontrar seu lugar ao lado de outros modos de se levar a vida, convivendo com a violência institucionalizada, com a falta de atuação do governo, com o poder de mudança da sociedade e com a força individual de cada cidadão.

Construído a quatro mãos, Oxalá cresçam pitangas conta com os talentos de Kiluanje Liberdade, realizador angolano com mais de uma década de experiência na realização de documentários, e Ondjaki – na verdade pseudônimo de Ndalu de Almeida – escritor nascido em Luanda em 1977 e que hoje mora no Rio de Janeiro. Sua ligação com o nosso país começou ainda antes, quando foi diretor assistente de Netto e o Domador de Cavalos (2008), longa de Tabajara Ruas filmado no interior do Rio Grande do Sul. A combinação de formações tão diversas resultaram num produto convencional, que faz uso de uma dezena de personagens para obter depoimentos que se não são totalmente previsíveis, da mesma forma não conseguem fugir do lugar comum em sua maioria. Válido enquanto curiosidade, temos, portanto, um filme curto – são meros 62 minutos – que é também humilde em suas pretensões e, infelizmente, alcance.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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