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Sinopse

Manuel viaja à sua cidade natal a fim de conseguir dinheiro para ir morar com o namorado na Dinamarca. Desencontros, rompimentos e uma história do passado que vem à tona ressignificam essa jornada.

Crítica

O título brasileiro, Os Segredos do Armário, pode ser considerado uma versão resumida – e reducionista – do original Todos tenemos un muerto en el placard o un hijo en el clóset, que poderia ser melhor traduzido, livremente, como Todos temos um morto no guarda-roupa ou um filho no armário. A referência ao ato de se esconder é uma analogia óbvia aos gays que procuram não se assumir, ainda mais aqueles frutos de famílias conservadoras e homofóbicas. Curiosamente, não é o que acontece com Manuel (Facundo Gambandé, da série Violetta, 2012-2015), o mais velho dos quatro filhos de Clara (Maria Fernanda Callejón, veterana atriz de televisão argentina) e Luis (Diego de Paula, de O Candidato, 2016), que se apresenta muito bem resolvido sexualmente, inclusive no âmbito familiar. Assim, nessa dicotomia, se percebe uma das mais problemáticas características do longa: muito do que se fala nem sempre encontra respaldo no que se vê em cena.

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Morador de Buenos Aires, para onde se mudou para estudar Arquitetura, Manu está se despedindo do namorado, Maximo (Ramiro Delgado), de viagem para seguir com seus estudos na Dinamarca. O protagonista, no entanto, dá a entender ser aquele tipo de rapaz mais preocupado com as impressões dos outros do que com suas próprias vontades. Tanto que está disposto a abandonar tudo para ir ao encontro do rapaz que acredita estar apaixonado. Só lhe falta um detalhe: dinheiro para tanto. É o que espera conseguir com os pais, durante uma visita mais prolongada. Esse mesmo movimento, aliás, havia empreendido anos atrás, quando saiu da casa da família rumo à capital, justamente por não se sentir ‘aceito’. O que o espectador observa, porém, é uma mãe carinhosa e ansiosa por atenção – que chega a dizer com todas as letras estar tranquila em relação à orientação sexual do filho, ressaltando que apenas não tem interesse em saber com quem ele vai para a cama – e um pai que, se um tanto ausente, por compromissos profissionais e por outras demandas familiares, também está longe de demonstrar desinteresse ou ressalvas em relação ao comportamento do primogênito.

Há, então, um movimento do diretor e roteirista Nicolás Teté em aprofundar o caos emocional de Manuel. Para isso, o namoro à distância termina na primeira oportunidade (e de uma maneira bastante insensível), levando aquele que foi deixado a mergulhar em uma angústia solitária, ao invés de aproveitar a solidariedade daqueles que estão ao seu redor – como a irmã, sempre disposta a lhe oferecer um ombro amigo. Gambandé, a partir desse ponto, perde o fino equilíbrio pelo qual vinha transitando, resvalando em reações exageradas e inconstantes. É de se louvar as atenções dadas a um rapaz que tanto anseia por se encontrar – em casa, no trabalho, em suas relações afetivas – mas uma melhor sintonia entre estes muitos níveis de discussão teria sido bem-vinda. Ao espectador, não serão raros os que poderão se perguntar se não se trata de um personagem bipolar, devido a alternância dos seus sentimentos, ou apenas frívolo, dada a baixa gravidade do que com ele se sucede.

Ao contrário de trabalhos anteriores, como o simpático Ônix (2015), Nicolas Teté também deixa evidente na concepção dramática as limitações enfrentadas pela produção. Com raros movimentos de câmera, o visual acaba empobrecido, assim como a direção de arte resvala em diversos clichês do tipo “visita ao passado”. Personagens periféricos, como o irmão caçula – o único a demonstrar comportamento homofóbico, além da participação pontual da avó – ou o professor que acaba virando o flerte da ocasião – cuja presença serve apenas para acentuar o descontrole romântico de Manu – também perdem relevância por não serem trabalhados com cuidado. Há, do início ao fim da trama, uma vontade evidente de se discutir muitas coisas. Falta, no entanto, habilidade em trazer à tona estes temas e introduzi-los de modo orgânico na história.

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E se muito do que é visto se revela tortuoso, no momento em que o protagonista, aos prantos, pede desculpas aos pais “por ser quem eu sou”, o filme se confirma como um desserviço à causa que parecia se esforçar em defender. Sim, pois por mais que seja um momento de desespero, a discussão não é desenvolvida a ponto de ressignificar suas intenções. Callejón e De Paula são intérpretes experientes, e Gambandé tem potencial para ir além do que se percebe por aqui. Falta, portanto, uma mão segura que consiga conduzi-los em busca do que se deseja com uma história que, entre soluções piegas (a subtrama a respeito da gravidez escondida é descartável, além de adquirir uma relevância desproporcional) e indícios mal elaborados (como o desfecho, cuja resolução se dá num videoclipe estilo “final de ano”), se perde logo no começo, sem nunca alcançar o debate esperado. Assim, tudo o que Os Segredos do Armário consegue é servir de exemplo para a velha máxima que afirma que, de boas intenções, o inferno está cheio.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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