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Sinopse

Revolução Francesa, século XIX. Jean Valjean rouba um pão para alimentar a irmã mais nova e acaba sendo preso. Solto tempos depois, tentará recomeçar sua vida e se redimir. Ao mesmo tempo em que tenta fugir da perseguição do inspetor Javert.

Crítica

Assistir a mais uma adaptação de Os Miseráveis parece uma tarefa árdua. Afinal, quantas versões da obra de Victor Hugo já foram realizadas? Dezenas. São filmes, minisséries televisivas, espetáculos teatrais e musicais no mundo todo. Houve até uma novela brasileira. A cada dez anos, há pelo menos duas adaptações sendo espalhadas ao espectador em diversas formas artísticas. Porém, a mais nova incursão cinematográfica, com direção de Tom Hooper (vencedor do Oscar há dois anos por O Discurso do Rei, 2010) talvez seja uma das mais completas e, ao mesmo tempo, difíceis de ser digerida pelo público. Não apenas pelo fato de se tratar de um musical, mas sim porque todo o filme é cantado. Dá para contar nos dedos as cenas em que as falas não são líricas ou rimadas.

A grandiosidade da obra é realçada por estas músicas, mesmo que algumas não façam sentido à primeira vista ou sejam de conteúdo dúbio, precisando ser esmiuçadas por quem está do lado de cá da tela. Muito mais do que uma simples ode à luta da classe baixa e à calamidade da pobreza na França do século XIX, a obra também faz uma intensa reverência à fé (diga-se de passagem, a igreja parece nunca ser criticada, mas sim exaltada) e, claro, ao amor, na sua forma mais ingênua e, ao mesmo tempo, profunda. Talvez estes temas tão universais sejam o motivo de contar, mais uma vez, a história de Jean Valjean (Hugh Jackman), um condenado que consegue fugir no período da Batalha de Waterloo, em 1815, e acaba sendo acolhido por um padre.

Quando o foragido é pego pela autoridade policial por andar com pratas roubadas, o mesmo religioso o defende, dizendo que as deu para Jean. Sob o conselho do padre, o personagem de Jackman muda sua vida e, dez anos depois, se transforma em um respeitado empresário. Porém, o inspetor Javert (Russell Crowe), de quem Jean fugiu uma década antes, começa a reconhecê-lo e resolve investigar sua vida. Paralelo a isso, conhecemos a história de Fantine (Anne Hathaway), uma empregada doméstica de Jean que é demitida após descobrirem que ela tem uma filha ilegítima. Vivendo nas ruas e tendo que sustentar a menina Cosette (que vive com um casal de trambiqueiros, personagens de Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, os alívios cômicos), ela se prostitui, vende seus dentes, seu cabelo, e começa a ficar doente. Ao mesmo tempo em que Jean é desmascarado e tem que fugir, ele acolhe uma agonizante Fantine e promete encontrar e cuidar de sua filha. É então que o filme dá um novo salto de mais dez anos e vamos parar nos motins civis de junho de 1832, quando Cosette (Amanda Seyfried) se apaixona pelo rebelde Marius (Eddie Redmayne). E contar mais do que isso seria estragar demais a história, por mais que ela seja conhecida.

Dizer que a fotografia, a maquiagem e a direção de arte estão impecáveis na reconstituição de época é simples demais. Tom Hooper consegue reconstruir uma França tão desolada pela miséria que resulta num trabalho extremamente crível ao olhos, por mais que possa beirar ao fantástico às vezes. Porém, este trabalho não seria tão interessante se não tivesse um elenco tão entregue aos seus personagens. A notícia que se tem é que, se não todos os números, pelo menos boa parte do filme foi cantada ao vivo, ao contrário das dublagens que são feitas em geral em longas do gênero. Por si só, isto já seria um grande mérito desta nova versão do clássico da literatura. Porém, mesmo em um elenco tão grandioso, destaques não faltam.

Anne Hathaway tem sido a mais aclamada da equipe com vários prêmios por sua interpretação de Fantine, por mais que seus minutos em tela não passem de meia hora (sendo que o filme tem duas horas e trinta minutos). É compreensível porque tanto alarde. A intérprete rouba a cena durante o segundo ato ao retratar com fidelidade o sofrimento de sua personagem, especialmente quando canta a triste versão de I Dreamed a Dream, uma letra que basicamente resume toda a ideia de Victor Hugo em sua obra, ainda mais com a voz embargada, porém sem nunca perder a força. Hugh Jackman, que antes de virar o mutante mais famoso dos X-Men nos cinemas tinha tido experiências em musicais nos palcos, solta sua bela e firme voz e compõe um Jean Valjean completo, que vive com um olhar suspeito, sabendo que deve se esconder a todo momento. Uma pena que na temporada de premiações ele tenha a forte concorrência do Lincoln (2012) de Daniel Day-Lewis, pois seu trabalho é magistral e nem de longe lembra a ferocidade ou a beleza selvagem de Wolverine.

A revelação Samantha Barks, que havia interpretado a personagem Eponine no teatro, é outra que chama atenção, surgindo como uma grande promessa para próximos títulos, assim como o garoto Daniel Huttlestone, que interpreta o mirim rebelde Gavroche. O restante dos intérpretes também está exemplar. Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Amanda Seyfried e Eddie Redmayne estão totalmente adequados aos seus papéis. A única exceção, por incrível que pareça, é Russell Crowe, que demonstra não ter muita voz para cantar. Sua voz grave falha em diversos momentos. Aspecto que é compensado com a entrega do ator ao seu complexo Javert, um homem que se vê dividido entre cumprir a lei à risca e deixar a humanidade aflorar, algo que Crowe consegue construir de uma forma digna de aplausos.

Entre tantas músicas incríveis como On My Own, At The End Of The Day e Look Down, além da já citada I Dreamed A Dream, que ressaltam o espírito da classe oprimida da época, não são poucos os momentos em que o público pode se sentir incomodado com pessoas em sofrimento cantando. Ainda assim, para assistir a Os Miseráveis é preciso se libertar do preconceito contra musicais e admirar este belíssimo trabalho que vem sendo premiado mundo afora. Merecidamente.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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