Os Colonos
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Felipe Gálvez
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Los colonos
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2023
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Chile / Argentina / Reino Unido / Taiwan / Alemanha / Suécia / França / Dinamarca
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
No faroeste, geralmente o desbravador é uma figura heroica. Sua missão pretensamente nobre é conquistar espaços e preparar o terreno ao desenvolvimento de novas comunidades. Ele garante que, dentro da perspectiva conquistadora, a ordem prevaleça em espaços geográficos “selvagens”. E nesse gênero cinematográfico considerado norte-americano por excelência (revigorado/retrabalhado por italianos a partir dos anos 1960), raras vezes os indígenas foram bem retratados. Em muitas produções repletas de mocinhos virtuosos e territórios a serem protegidos (depois de desbravados, claro), os nativos são vilões sem subjetividade, o mal a ser banido e/ou aniquilado. De cara, é um gesto eloquente do cineasta chileno Felipe Gálvez a apropriação dos códigos do faroeste para desmontar essa imagem heroica do desbravador. Em Os Colonos o realizador ainda denuncia que o expansionismo branco tratou os povos originários como se eles fossem ervas daninhas atrapalhando o crescimento de uma plantação. A trama começa na Terra do Fogo, no Chile, em 1901, ou seja, na virada do século 19 ao 20. Três homens são encarregados por um latifundiário de “limpar” uma faixa de sua propriedade visando criar um corredor para ovelhas. Formam essa trinca o militar britânico MacLennan (Mark Stanley), o cowboy norte-americano Bill (Benjamin Westfall) e o mestiço local Segundo (Camilo Arancibia).
Um dos primeiros elementos que se destacam em Os Colonos é a fotografia deslumbrante assinada por Simone D'Arcangelo. Menos pela beleza dos planos que enfatizam a exuberância natural, mais pelo modo como a composição visual ajuda a sublinhar certas sensações, como: a solidão oriunda do isolamento dos viajantes; o senso de proporção inerente às diversas imagens de homens minúsculos e efêmeros inseridos no gigantismo de uma natureza milenar; o absurdo decorrente da tentativa dos sujeitos de reivindicarem propriedade e soberania sobre aquele espaço vasto e repleto de mistérios; entre outras coisas perceptíveis por meio dessa habilidade para desenhar retratos indicativos. Pensando no aspecto simbólico da aliança, MacLennan e Bill são os representantes de dois populares imaginários imediatamente associados à violência nessa abordagem revisionista do faroeste. O militar chamado comumente de Tenente britânico é a força militar da opressão que se precipita sobre os povos originários chilenos como um raio devastador. Já o cowboy mercenário norte-americano é símbolo da perpetuação de uma política agressiva no progresso dos Estados Unidos, que teve como uma de suas bandeiras o genocídio ameríndio. Por fim, Segundo é o sujeito entre mundos, metade branco, metade indígena. Ele sempre será visto como pária pelos brancos, enquanto é tratado com desconfiança por nativos.
Nos últimos anos, o faroeste vem sendo reutilizado frequentemente para revisar itens e pontos de vista presentes nas suas produções de antigamente. Jane Campion questiona o machismo associado ao Velho Oeste em Ataque dos Cães (2021), enquanto Kelly Reichardt insere a mulher e a gentileza nesse mundo agressivo, respectivamente, por meio de O Atalho (2010) e First Cow: A Primeira Vaca da América (2020). Nos dois exemplos, realizadoras mulheres utilizam o gênero cinematográfico associado ao masculino para recalibrar seus códigos. Em Os Colonos, o cineasta Felipe Gálvez traz um ponto de vista latino-americano, de um continente marcado por processos colonizatórios caracterizados por mortes, subjugação e exploração. Então, não é surpresa que sua abordagem coloque em xeque determinados pressupostos do faroeste, como o heroísmo do desbravador. Isso enquanto confere visibilidade à tragédia do povo dizimado, que não é mais bem-vindo em terras doadas pelo Estado a latifundiários como propriedades onde a lei é a força. A jornada do trio heterogêneo por terras inóspitas é feita de imagens muito fortes atravessadas por comportamentos aterradores testemunhados pelo olhar trágico do mestiço cuja existência provavelmente é também fruto da violência colonizadora. Em ao menos dois instantes do filme, Segundo é convocado a aniquilar e violentar, mas a isso prefere se manter minimamente íntegro.
No último terço de Os Colonos, Felipe Gálvez implica mais diretamente o Estado nessa jornada sangrenta que ganha contornos de limpeza étnica, de um higienismo que começa na conquista territorial e se estende às tentativas de apagamento cultural dos povos subalternizados. Anos depois da linha cronológica que acompanhamos durante boa parte do filme, o emissário intelectual do governo chega a esse lugar áspero carregando as preocupações do governo, não necessariamente com o genocídio, mas com a imagem que esse processo gera. Aos mandatários, o latifundiário José Menéndez (Alfredo Castro) é o mal necessário, o mandachuva local que na verdade é um instrumento a ser manipulado pelos reais soberanos que passam uma imagem civilizada enquanto fomentam a barbárie. Assim, Menéndez não detém poder, sendo apenas um pequeno-burguês que faz o trabalho sujo, o fantoche que usufrui de influência limitada numa estrutura complexa, o bode expiatório executor da política expansionista. O cineasta desenha habilmente o exercício da sensação ilusória de poder em camadas, gradativamente rebaixando homens que se gabavam sempre de suas potências – o mentiroso desmascarado/sodomizado; o perpetuador da violência assassinato a sangue frio; e o chefe enquadrado por quem manda mais. Enquanto isso, o mestiço segue a vida carregando imagens terríveis, heranças do homem branco.
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Desde sua finalização, quando se noticiava, queria assistir o filme. Só pude por meio do streaming, porém, ainda assim tem grande impacto. A crítica está correta e o final, apesar do seu estereótipo de "revisionismo moral", não deixa de ter seu impacto. Vale assistir, valeria o ingresso inclusive para um bom cinema.
Filme maravilhoso! Fotografia incrível!