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Sinopse

Orlando, um rapaz da nobreza, é ordenado pela rainha Elizabeth para permanecer jovem eternamente. De forma milagrosa, é o que acontece. Orlando vive por séculos através da história, vivenciando diversos relacionamentos e experiências diferentes, culminando, na mais extrema delas, a mudar de sexo.

Crítica

A literatura de Virginia Woolf é feita de obras com complexos fluxos de pensamento, que tiram o leitor de órbita e o fazem raciocinar, muitas vezes, para que ele entenda a narrativa. Orlando é considerado um de seus romances mais acessíveis e de fácil leitura, afinal, a sátira do personagem-título, que um dia acorda mulher, passa por 350 anos de sua imortalidade, se prendendo muito mais aos aspectos históricos e à relação de Orlando com a sociedade do que ao estilo habitual da escritora. Pois Orlando: A Mulher Imortal, filme da coreógrafa britânica Sally Potter, se mantém fiel à obra original, tendo em Tilda Swinton, então uma atriz pouco conhecida globalmente, como seu grande trunfo em frente às câmeras.

A transgressora história lida com o andrógino Orlando (Swinton) a partir do ano de 1600, na Inglaterra, com seus 16 anos. Aqui ele é um nobre que tem o sonho de ser um grande poeta, um tanto quanto apadrinhado pela rainha Elizabeth I (Questin Crisp). Após dez anos da morte de seu pai, ele se apaixona por uma bela princesa russa (Charlotte Valandrey), a quem, a despeito de seu amor, trata com todo o machismo possível. Um ponto que será interessante na narrativa ao longo dos séculos. Após o relacionamento terminar de forma trágica, ele se torna embaixador na Turquia. A diferença é que já estamos no séculos 18 e o rapaz parece não ter envelhecido um minuto sequer. Até se recusar a matar em uma batalha e, no outro dia, acordar mulher.

É interessante como essa falsa biografia (que Woolf dedicou a Vita Sackville-West, sua amante) se torna um retrato das mudanças na sociedade inglesa a cada centena de anos e como os papéis dos gêneros vão se mesclando e se separando na mesma medida. Se por um lado, a personagem de Tilda acorda no corpo feminino sem grandes surpresas e apenas diz "outro sexo, mesma pessoa", por outro, o mesmo não pode ser dito de quem a conhece. Tanto que até pode ainda ser respeitada de forma educada, com palavras corteses, mas, como mulheres não têm direito à propriedade no século XIX, acaba perdendo sua casa. Mais: o que ela ouve dos homens são comentários sexistas. Orlando acaba sentindo na própria pele o que proferiu na juventude de outros séculos ao tentar tomar (e conseguir) garotas como suas.

A produção, que custou em torno de US$ 4 milhões, é de causar inveja a outras, mais atuais inclusive, que gastam muitas vezes além de seu orçamento. O requinte das reconstituições de época é alto, assim como o figurino e a maquiagem são totalmente exemplares. Eventos históricos, como a grande geada de Londres em 1608, são belissimamente fotografados com a ajuda dos efeitos visuais. Não à toa o filme foi indicado a vários prêmios nestas categorias, inclusive ao Oscar.

Porém, o que mais chama a atenção no longa-metragem é o talento de Tilda Swinton. Se hoje a atriz é o primeiro nome que vem à cabeça para qualquer personagem inusitado, na época ela ainda mostrava ao que vinha, mesmo tendo iniciado a carreira em 1986, quase dez anos antes, na pele de Lena, em Caravaggio (1986), de Derek Jarman, diretor com quem ela voltaria a trabalhar em Eduardo II (1991). O Orlando de Tilda se transforma física e emocionalmente perante o espectador com uma sutileza de detalhes (do machista sensível do século XVII à mulher descoberta chocada nos anos 1800) que poucos intérpretes conseguem assimilar de forma tão delicada.

Orlando: A Mulher Imortal, como obra, traz questões muito presentes nos dias de hoje, que já voltavam à tona no início da década de 90 (transgêneros) e, na verdade, sempre foram motivo de embate. Não à toa a escolha da autora original para debater gênero e sexualidade com reflexos históricos. A abertura da sociedade para as mulheres (ainda lenta, gradual e que perdura até hoje) no século XX já permite que Orlando, o personagem, se torne uma mãe com direitos mais estabelecidos e voz ativa. Nada mais necessário do que uma revisão 25 anos após seu lançamento. Afinal, se Virginia Woolf já tocava no tema em 1928 (ano que foi lançada a obra literária), continuamos engatinhando no processo de conceder mais direitos às mulheres e, principalmente, ainda temos olhares tortos para qualquer pessoa que fuja de seu gênero estabelecido. Quem sabe uma nova versão cinematográfica com uma atriz ou ator transexual? É torcer para que esse dia chegue.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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Matheus Bonez
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Francisco Carbone
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MÉDIA
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