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Sinopse

Em 2007, Lucy Mirando, a CEO de uma poderosa empresa, apresenta ao mundo uma nova espécie animal recém descoberta no Chile. Apelidada de “super porco”, é criada em laboratório e tem 26 animais enviados para países distintos, de forma que cada fazenda que o receba possa apresentá-lo à sua própria cultura local. A ideia é que os animais permaneçam espalhados ao redor do planeta por 10 anos, sendo que após este período participarão de um concurso que escolherá o melhor super porco. Uma década depois, a jovem Mija convive desde a infância com Okja, o super porco fêmea criado pelo avô. Prestes a perdê-la devido à proximidade do concurso, Mija decide lutar para ficar ao lado dela, custe o que custar.

Crítica

Mais que um drama sobre a tentativa desesperada de uma garotinha de salvar a sua melhor amiga, Okja é uma fábula muito bem construída no que tange à oposição entre a avareza do capital e a necessidade de preservar a vida, o que pulsa. O retrato da conjuntura dominada por grandes corporações e preocupações ecológicas superficiais, que escondem propósitos meramente mercantis, surge já na cena em que a CEO Lucy Mirando (Tilda Swinton) fala a respeito do projeto de criação de superporcos em escala global. Ela faz questão, num show midiático montado ao sabor dos calculados planos de marketing, de renegar o passado da família, dizendo que aquelas paredes, metaforicamente repletas do sangue de funcionários anteriormente torturados, agora abrigam uma nova visão de mundo, bem mais humanista. O cineasta sul-coreano Bong Joon Ho habilmente promove nossa plena identificação com a relação estabelecida entre a superporca Okja e a neta de seu criador, Mihka (Seo-Hyun Ahn).

Parcela importante do delineamento desse forte vínculo se deve à sequência em que o animal salva a sua guardiã da morte certa. Isoladas numa montanha coreana, elas estão apartadas dos planos que as abarcam. A empresa proprietária de Okja pretende leva-la aos Estados Unidos e expô-la como espécime premiado, o melhor dos 26 que dez anos antes foram confiados a criadores de diversas regiões como parte de um estratagema de divulgação institucional. O personagem de Jake Gyllenhaal simboliza o posicionamento histriônico e não raro hipócrita da mídia. É um daqueles apresentadores de programas televisivos que viajam pelos quatro cantos do planeta em busca de curiosidades da fauna. Há em Okja uma alternância bem-vinda entre a deflagração desbragada de determinadas realidades, como essa dos discursos sustentáveis mal disfarçados, e o desenho de certas nuances pela recompensadora via da sutileza. Prova disso, a maneira como é moldada a essência de Mihka.

Em dado momento de Okja, o avô presenteia a protagonista com um porco de ouro maciço. A garota, porém, dá de ombros diante do objeto, já que mais valiosa para ela é a integridade física da amiga. Seu profundo respeito pela vida aparece, também, no instante em que devolve um peixe pequeno ao lago. Ela retira da natureza apenas o imprescindível, não a vilipendiando, portanto se colocando numa posição diametralmente oposta a da empresa que visa o lucro acima de tudo. A entrada na trama dos ativistas liderados por Jay (Paul Dano) traz outros questionamentos substanciais, alguns de ordem ética. Todavia, assim que a ação se desloca para o solo estadunidense, o filme de Bong Joon Ho perde um pouco da potência, especialmente pela adoção de verdadeiros atalhos que simplificam a progressão narrativa, ao preço de enfraquecer sua pungência. Exemplo disso é a facilidade do acesso a locais supostamente impenetráveis, e demais comodidades no que concerne à logística complicada.

O fato de estarmos num terreno fabular atenua algumas inconsistências da esfera prática de Okja e explica a conveniência da construção de personagens arquetípicos, aqui não entendida absolutamente como algo ruim. Há uma clara mensagem contrária aos avanços indiscriminados permeando este longa-metragem do cineasta sul-coreano. A natureza é vista por ele como um ambiente praticamente sagrado, vide as tomadas das montanhas, onde a existência parece transcorrer em seu estado impoluto. A amizade entre Okja e Mihka é uma instância de resistência num emaranhado de canalhices e ganância. Embora não consiga sustentar esse elo com a mesma força simbólica inicial, exatamente porque há investimento demasiado em subtramas, Bong Joon Ho faz um filme cativante, que exalta a pureza, chocando-a com a pretensa onipotência do dinheiro e seus nefastos efeitos colaterais. Reverenciando a beleza da autenticidade e dos bons sentimentos, remete tanto a E.T.:: O Extraterrestre, de Steven Spielberg, quando às produções do Studio Ghibli, de Hayao Miyazaki.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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