Crítica


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Sinopse

Sahle é um poeta apaixonado por Mina, filha de uma família rica. Quem também está amando ela é seu motorista que vira um sujeito importante com a chegada da revolução. Esse novo mandachuva encarcera os enamorados por décadas, ele por três e ela por uma. Ao soltá-la, o ex-motorista lhe propõe casamento e afirma que o poeta está morto.

Crítica

Lançado em 2012, mas abarcando apenas agora nas salas de cinema brasileiras, O Último Poema do Rinoceronte é um trabalho robusto do diretor iraniano Bahman Ghobadi. Não só a trama é interessantíssima, cheia de dor, perda e desejo, mas a forma como é filmada é simplesmente deslumbrante. A poesia não é só reservada ao texto. Ela é também abarcada pelas imagens capturadas por Ghobadi, que deve ter em seu diretor de fotografia Turaj Aslani um amigo para a vida toda.

Na trama, assinada pelo próprio cineasta e baseada nos diários do poeta Sadegh Kamangar, acompanhamos a trajetória do casal Sahel (Caner Cindoruk, quando jovem; Behrouz Vossoughi, quando mais velho) e Mina (Monica Bellucci). Durante a revolução islâmica no Irã, o poeta Sahel é acusado injustamente de escrever versos subversivos e é condenado à prisão por 30 anos. Mina, por sua vez, também é mantida em cárcere, mas por uma década. Quem arranjou a prisão de Sahel foi o motorista da família de Mina, Akbar Rezai (Yilmaz Erdogan), que nutre sentimentos por aquela mulher. Trinta anos se passam, Sahel – morto segundo as autoridades - deixa a prisão e busca por sua esposa. Mas terá ele coragem de se aproximar de Mina depois de tanto tempo? Bahman Ghobadi faz um filme bastante comunicativo visualmente, deixando as palavras de lado e focando em expressões, olhares e ações. Sahel, por exemplo, quando mais velho, simplesmente não fala. Ele mantém cada uma de suas emoções enjaulada dentro de si e é tarefa do ator Behrouz Vossoughi conseguir transmitir aquele vazio de seu personagem. Ele passeia pela tela como um zumbi – fato não muito longe da verdade, visto que oficialmente ele não está vivo. Em sua busca pela esposa, conhece duas garotas de programa que o utilizam como motorista particular (em uma rima curiosa com seu algoz, que servia na mesma função no passado). Vossoughi empresta sua expressão austera para Sahel e é um dos destaques do elenco ao lado de Yilmaz Erdogan, que vive o obcecado Rezai.

Erdogan vive os dois momentos de seu personagem, tanto na juventude quanto na velhice, o mesmo acontecendo com Monica Bellucci. A escolha para o primeiro se dá sem muitos problemas, pelo rejuvenescimento eficiente com a maquiagem. Bellucci, por outro lado, envelhece pouco nos 30 anos que separam as duas pontas da história. Mas suas atitudes como uma mulher mais experiente são convincentes, com a atriz não ficando totalmente deslocada no personagem. A narrativa de O Último Poema do Rinoceronte não é linear, o que deixa ainda mais interessante a trama. Sabemos de algumas informações, mas muita coisa vai sendo desvelada aos poucos, com o vai e vem entre passado e presente da história. Com narração dos poemas de Kamangar durante o filme, somos apresentados a cenas bastante poéticas, sendo possível colocar desta forma o trabalho de Ghobadi na seara do realismo fantástico. A chuva de tartarugas lembra, lógico, o toró de sapos de Magnólia (1999).

Os enquadramentos são belíssimos e a utilização de luz pontual acaba por criar composições pitorescas. Em algumas cenas, enxergamos apenas a silhueta dos personagens. Em outras, os atores (e não a câmera) se movimentam de maneira a criar o enquadramento perfeito da cena. Prova do esmero da produção em entregar um filme interessante não só em temática, mas em estética. Além de ser uma história de amor interrompida, O Último Poema do Rinoceronte é um filme de teor político, lembrando o período da revolução islâmica no Irã e os resultados dela no presente. Mesmo não sendo necessariamente explícito ou didático, o longa-metragem mostra ao espectador uma fatia da história daquele país que muitos talvez não conheçam. Fica a cargo do público buscar mais a respeito daquela época, caso fique interessado nesta passagem.

O desfecho do filme é soberbo, por não jogar contra o que havia estabelecido até então e por evitar a busca incoerente (naquele contexto) do final feliz tão esperado. Existe um reencontro surpreendentemente carnal, mas nada óbvio. É um filme de sutilezas, de personagens fortes e de belos planos. Uma daquelas produções que conquistam o espectador aos poucos, com seu andamento mais lento, mas muito preciso. Em suma, um drama imperdível.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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