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Sinopse

A história das famílias Terra Cambará e Amaral, durante 150 anos, começando nas Missões até o final do século XIX. Sob o ponto de vista da luta entre elas, são retratadas a formação do Rio Grande do Sul, a povoação do território brasileiro e a demarcação de suas fronteiras, forjada a ferro e espada pelos conflitos entre as coroas portuguesa e espanhola.

Crítica

Cinema e literatura andam juntos. Isto é fato. Não apenas pelo primeiro adaptar a todo momento as histórias do segundo, mas porque ambos tem em comum a narrativa como origem, mesmo que um privilegie o texto enquanto o outro destaca a imagem. Porém, há de ser claro ao distinguir uma coisa da outra, pois quando um texto literário é adaptado para um longa-metragem, por mais que se respeite a obra original, o produto final tem que ser um filme independente. E talvez esta seja o excesso de zelo pela obra de Erico Verissimo a principal falha de O Tempo e o Vento, que chega aos cinemas comandado por Jayme Monjardim (leia aqui a entrevista com o diretor e com o elenco).

Este respeito que os roteiristas Tabajara Ruas e Letícia Wierzchowski tiveram pelos detalhes da história de Verissimo acaba prejudicando a narrativa, que ora parece lenta demais, ora atropelada. Assim como no livro, o filme começa no final do século XIX, na casa dos Cambará, onde uma idosa Bibiana Terra (Fernanda Montenegro) acompanha o conflito com os Amaral e recebe a visita de uma visão ou espírito do jovem Capitão Rodrigo (Thiago Lacerda), seu grande amor. A partir de seu relato, volta-se 150 anos no tempo, quando uma índia grávida chega às colônias jesuítas e dá a luz a Pedro Missioneiro. Anos depois, o mesmo Pedro, já adulto, apaixona-se por Ana Terra (Cléo Pires) e a engravida. A relação que não é bem vista pelo pai e pelo irmão da acaba em tragédia com a morte do índio. Ana dá ao filho o nome do pai.

Em outro salto temporal que acompanha a evolução da árvore genealógica dos Terra, a história de um certo Capitão Rodrigo é contada, da sua chegada à província de Santa Fé e sua paixão pela filha de Pedro Terra, Bibiana (nesta fase, vivida por Marjorie Estiano). Apesar de parecer confusa, a história é simples. Porém, o excesso de detalhes e, especialmente, a constante narração em off de Fernanda Montenegro acabam sendo prejudiciais ao agregar pouco ao roteiro e servirem mais como empecilhos de uma bela história. Ainda mais quando o que é narrado já está sendo visto na tela.

Neste interim, o pano de fundo histórico também sofre. O espectador que não conhece a história do Rio Grande do Sul (e, vá lá, seja gaúcho ou de qualquer outro estado brasileiro) pode acabar não entendendo como aconteceram as lutas por terra, as missões jesuítas, as Revoluções Farroupilha e Federalista  e até a Guerra do Paraguai. Da forma como estes conflitos são pincelados, sem um mínimo de aprofundamento ou de uma rápida explicação quem lutava pelo quê e, principalmente, o porquê das guerras, eles parecem tornar-se irrelevantes diante das brigas internas que envolvem os Terra/Cambará e os Amaral.

Que fique bem claro: este longa não é tão esquematizado quanto Olga (2004), irregular longa anterior do mesmo diretor. Porém, O Tempo e o Vento acaba sofrendo, sob muitos aspectos, dos mesmos problemas.  A fotografia com excesso de close ups, planos e contraplanos (especialmente nos diálogos entre dois personagens, a qualquer momento) cansa os olhos do espectador, por mais (ou justamente por isso) que este esteja acostumado a assistir da mesma maneira as novelas que passam diariamente na televisão. Por outro lado, esta mesma fotografia aliada à direção de arte enche os olhos quando planos abertos mostram a beleza das terras riograndenses e colocam luz ou sombra sobre seus protagonistas quando a narrativa fica mais densa ou leve.

Por sinal, eis o ponto forte de O Tempo e o Vento: seu elenco. Cleo Pires, tão criticada em seus papéis na TV (especialmente por explorarem pouco seu potencial dramático e se basearem basicamente sobre sua beleza e sensualidade), está sóbria, sem o mínimo de sotaque, conferindo uma força interior resguardada em Ana Terra, papel que já foi de sua mãe, Glória Pires, em uma adaptação televisiva. Fernanda Montenegro, a dama do nosso cinema, mais uma vez emociona sem precisar se esforçar para tanto. A jovem Bibiana de Marjorie Estiano compete de igual para igual com sua versão mais velha, mesmo com pouco tempo em tela.

Porém, o grande destaque é, sem dúvida, o Capitão Rodrigo de Thiago Lacerda. É a partir de sua (segunda) entrada na narrativa, quando ninguém o conhecia, que o filme encontra um eixo seguro. Lacerda confere à personalidade de seu personagem aquilo tudo que se pode esperar: a simpatia, o charme, a coragem, a impulsividade do principal Cambará. Do andar firme ao sorriso fácil, da brutalidade no combate ao sotaque gaúcho que não parece forçado, mas natural. O roteiro também contribui para o desenvolvimento e o apego do personagem junto ao público, aumentando ainda mais a presença do galã em tela.

Se o longa de Monjardim tivesse se adequado e sido mais focado em sua essência, poderia ter sido um dos grandes filmes do ano no panorama nacional. Porém, tivesse ficado mais algum tempo na ilha de edição, talvez a história fosse outra. Ainda assim, é sempre interessante relembrar personagens tão inesquecíveis da literatura quanto estes criados por Erico Verissimo. O curioso é que, mais uma vez, o título do filme remete à obra como um todo, mas apenas O Continente (a primeira e mais conhecida das três partes que compõem O Tempo e o Vento na literatura) foi adaptado. Resta saber se O Retrato e O Arquipélago também chegarão às telas um dia, com mais acertos do que erros.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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