Crítica
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Sinopse
Durante uma festa, Adriana conhece Andrea, um jovem charmoso e confiante. A atração imediata entre os dois os leva a passar uma noite apaixonada juntos. Eles concordam em se encontrar novamente no dia seguinte, mas o rapaz não aparece. Desapontada, Adriana volta à sua vida normal, mas se depara com o inesperado quando Andrea é encontrado morto. Arrastada para o centro de uma investigação com contornos inquietantes, ela sente todas as suas certezas minadas e se vê dentro da parte mais secreta e sombria de sua personalidade.
Crítica
Ferzan Ozpetek, cineasta de origem turca, mas de alma essencialmente italiana, sempre olhou – e cuidou – com muito carinho dos seus personagens. Seja em dramas, como Saturno em Oposição (2007), comédias, como O Primeiro que Disse (2010), ou romances, como Um Amor Quase Perfeito (2001), as figuras que conduzem sua história invariavelmente se mostram ainda mais importantes do que o desenrolar dos acontecimentos entre eles. Por isso, tão fundamental para o sucesso de suas empreitadas quanto o roteiro – muitas vezes escrito por ele mesmo – é a escolha dos atores que irão defendê-lo. Dito isso, só a retomada da parceria com uma das melhores atrizes italianas de sua geração, Giovanna Mezzogiorno, em O Segredo de Nápoles– os dois não trabalhavam juntos desde A Janela da Frente (2003) – já é motivo de altas expectativas em relação a esse projeto. Felizmente, o que ele entrega vai muito além desse feliz reencontro.
Adriana (Mezzogiorno, indicada ao David di Donatello – o Oscar italiano – por este trabalho) é uma médica legista que, durante uma festa na casa de amigos, se encanta pelo misterioso Andrea (Alessandro Borghi, de Fortunata, 2017), homem que acaba levando para sua casa para passarem a noite juntos. Ao acordarem, após muito sexo e promessas, os dois combinam de se verem novamente no final do dia. No local e horário marcado, ela aparece, mas ele nunca chega a dar as caras. A decepção é inevitável, mas ela não é nenhuma garota – já viveu outras desilusões – e, portanto, é bola para frente. A surpresa, no entanto, se dá mesmo quando volta ao trabalho no dia seguinte, após o fim de semana, e se depara com o mesmo rapaz, porém na mesa do necrotério. Andrea está morto. E o que aconteceu com ele não é tão urgente quanto como ela irá reagir a tudo isso.
Em O Segredo de Nápoles, Ozpetek combina duas das suas obsessões: o misticismo e a exploração de outras formas de interpretar a realidade – como visto em Magnifica Presenza (2012), por exemplo – e a formação de casais inesperados – um exemplo recente foi em Allacciate Le Cinture (2014). Adriana perdeu Andrea antes mesmo de tê-lo para si, mas logo dá um jeito de substituí-lo à altura: é quando encontra Luca (novamente Borghi), o irmão gêmeo desconhecido do falecido, que seu mundo volta a fazer sentido. No entanto, os acontecimentos do presente estão fortemente ligados ao seu passado, principalmente ao trauma que terminou com o fim do casamento dos pais dela. Aliás, é na primeira cena do filme que o diretor esconde uma chave que somente nos instantes finais da trama possibilitará que o quebra-cabeças, enfim, se complete. Estava bem ali, à mostra, diante de todos, e, mesmo assim, ninguém havia percebido.
Transitando do suspense policial ao drama romântico, vamos acompanhando com interesse renovado não apenas o relacionamento um tanto abusivo que começa a se desenrolar entre Adriana e Luca, mas também o quase incompreensível esforço dela em mantê-lo distante dos olhos dos demais. Dos policiais que estão investigando o caso até seus familiares mais próximos, passando por conhecidos e amigos que, meio que ao acaso, vão lhe oferecendo as peças necessárias para compor um perfil mais apurado de quem era, de fato, Andrea – longe do ser idealizado que tinha fantasiado em suas memórias – o que se vê é uma mulher em um turbilhão de desmonte e reconstrução. Adriana está o tempo todo entre o ir e o ficar, entre o ser e o desistir, entre o se entregar e o reter-se em si mesma.
Mais do que um trabalho delicado de composição, exposto por um roteiro repleto de reviravoltas que em nenhum momento se contenta com as explicações mais óbvias ou simplistas – por mais que essas insistam em apontar possíveis caminhos aqui e ali – O Segredo de Nápoles ganha força mesmo no desempenho arrebatador de Giovanna Mezzogiorno, que extrapola sentimentos através dos olhos, ao mesmo tempo em que entrega o mínimo através de diálogos controlados e uma postura contida, como se estivesse sendo constantemente observada. Por quem? Por ela mesma, afinal. O romance que está vivendo, como se vê, só adquire a dimensão que ela permite que ele tenha, independente do retorno – ou não – do parceiro supostamente envolvido. E se nesse processo uma ou outra vítima se fará pelo caminho, seja hoje ou muitos anos atrás, o que lhe importa é sair desse caminhar de cabeça erguida e pronta para a próxima. Seja sozinha, ou ao lado de alguém que, enfim, a escolha, e não fruto apenas do seu desejo.
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