Crítica


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Sinopse

Cetarti está completamente desiludido, sem emprego e nem nenhum objetivo. Ele passa seus dias fumando e bebendo até que um estranho lhe informa de algo terrível: sua mãe e seu irmão morreram. Chocado com a notícia, ele terá que viajar de Buenos Aires para Lapachito para se encarregar dos cadáveres.

Crítica

Cetarti é o tipo de cara que passa um ano sem ir ao trabalho simplesmente porque não gosta do que faz, mesmo sendo funcionário público. Não se importa com o amanhã, muito menos com o ontem: o (pouco) interesse que demonstra está no hoje. Por isso, quando recebe uma ligação de um desconhecido avisando que sua mãe e irmão foram assassinados, se atrasa para ir ao encontro das vítimas porque decide ‘tirar um cochilo antes’. Quem o chamou foi Duarte, o faz-tudo daquele pequeno vilarejo onde o crime aconteceu. E o recado não foi um gesto de bondade: logo se perceberá que há segundas – e até terceiras – intenções envolvidas. Mas estaria Cetarti realmente preocupado com elas? Afinal, ele nada mais é do que O Outro Irmão, mesmo que não tenha compreendido muito bem o que isso significa. Mistério que tanto motiva um envolvimento do espectador no começo quanto um desânimo em relação às soluções apressadas que tenta defender.

Escrito e dirigido por Israel Adrián Caetano, cineasta uruguaio premiado nos festivais de Gramado, Torino e Tolouse por Pizza Birra Faso (1998) e indicado ao Spirit Awards e ao Festival de Cannes por Crônica de uma Fuga (2006), O Outro Irmão é um filme que nunca entrega explicitamente suas intenções, ainda que deixe claro não serem verdadeiras aquelas percebidas de imediato. E mesmo sendo Cetarti, aparentemente, o protagonista, há dois outros personagens que despertam tanto ou mais interesse do que ele. Um é o já citado Duarte, uma figura asquerosa, porém cativante, da qual parece ser difícil se ver livre. O outro é Danielito, o garoto enjeitado que recebeu o mesmo nome do primogênito nascido morto. Ele é filho do assassino, e, portanto, meio-irmão de Cetarti. É, enfim, o substituto, aquele que veio depois apenas para suprir uma vaga em aberto, a figura que muito bem poderia ocupar o espaço apontado pelo título.

Cetarti não via a família há anos, não tinha contato com eles e vivia isolado em Buenos Aires. É um cara desleixado, preguiçoso e sem motivações – pelo que se percebe, também desprovido de grandes sentimentos: sua única reação ao ver os corpos é algo instintivo – um vômito – muito mais animal do que fruto de qualquer tipo de emoção. É difícil simpatizar por ele, e o ator Daniel Hendler faz bem o seu serviço para criar essa antipatia. Sua composição vai aos mínimos detalhes, deixando claro que, apesar de desprezível, ele não é, necessariamente, um tolo. Enxerga naquela nova realidade uma chance de ganho rápido, e assim decide agir, não desprezando oportunidades que porventura lhe sejam oferecidas. E se seu encontro com Danielito – e como cada um verá suas condições a partir do conhecimento do outro – se dará somente nos últimos instantes, estará na relação dos dois com Duarte o ponto de ebulição dos principais movimentos a seguir.

É nesse ponto que voltamos a pensar no quão hipnotizante é esta figura criada por Leonardo Sbaraglia. O Duarte que oferece é aquele malandro que se apresenta sempre de banho tomado, que usa suas melhores roupas e tem a lábia afiada, com uma resposta na ponta da língua para qualquer situação. No entanto, está longe de ser do tipo que ladra, mas não morde: assim que vira o rosto, uma outra persona toma conta de si, muito mais violenta e determinada a tomar conta daquilo que acredita ser seu por direito. É um tipo que não é bom ter como inimigo, e muito menos se meter em seu caminho. Por isso, tanto Cetarti precisará estar atento – mesmo contando um pouco com a sorte – quanto Danielito deverá contar com sua posição subjugada para virar o jogo na hora que mais lhe convier.

O Outro Irmão é um thriller que segue com atenção a cartilha do gênero. Os personagens nunca são o que dizem, seus objetivos passam a maior parte do tempo escusos e pouco importam as consequências de seus atos, uma vez verificada a possibilidade deles os levarem até seus objetivos. Se Caetano demonstra pouco interesse em entregar algo além de um bom trabalho – sua direção é competente, porém nada inovadora – está, mesmo, nas mãos de Sbaraglia e Hendler os esforços que fazem desse um título acima do comum. E mesmo com tantas perguntas sem respostas e portas em aberto, é um filme que vale mais pelo estudo e talento de seus intérpretes – atenção, ainda, à participação especial da almodovariana Angela Molina – do que pelo conjunto de situações que desenrola, um tanto previsíveis e tão apáticas quanto qualquer um dos protagonistas. É difícil torcer por qualquer um deles. Porém, entre vidas tão miseráveis, talvez não seja mesmo esse o objetivo por aqui.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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