Crítica
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Crítica
Tudo começa com um sujeito tolo/pedante (de quem emana o ridículo) exibindo conhecimentos e entusiasmos à sua acompanhante de ocasião. Os dois estão prestes a embarcar numa experiência gastronômica daquelas que envolvem encenação, porções milimetricamente calculadas para não empanturrar e uma noção subentendida de exclusão. Tyler (Nicholas Hoult) enche a boca de empáfia ao dizer que pagou mais de mil dólares por cada ticket dourado à ilha na qual acontecerá um banquete para os sentidos. Fica visível desde o começo que ele e a parceria, Margot (Anya Taylor-Joy), não têm muito em comum, sobretudo porque enquanto o homem reverencia de modo irritante cada segundo do evento pelo qual tanto esperou, a mulher funciona como os olhos crus que revelam a pompa exagerada por trás dessa exclusividade. O cineasta Mark Mylod reforça o clima de apreensão nesse trajeto inicial em que Tyler e Margot recebem a companhia de um grupo específico ao rumarem para o tal restaurante dos sonhos. Há a construção de uma atmosfera de terror, vide a forma como a câmera se demora nos galhos retorcidos e nas demais formas estranhas de uma natureza nem sempre simétrica, bem como no fechar de pesadas portas que sinalizam clausura e na postura militar dos empregados. Até mesmo os bodes, presenças supostamente comuns no local, adquirem um contorno de perigo.
Mark Mylod é um diretor tarimbado por numerosos trabalhos na televisão, entre os quais se destaca o comando de vários episódios de Succession (2018-), série pela qual ganhou o Emmy. E ele é hábil ao desenhar a inquietação, enfatizando desde o começo que há algo de errado nessa noite que teria tudo para ser uma jornada extravagante por pratos de valor proibitivo. O Chef Slowick (Ralph Fiennes) é um anfitrião de comportamento passivo-agressivo. Por um lado, assume o papel da arrogância que esse mercado da alta gastronomia espera e até estimula – vide os reality shows em que gritarias e desmandos na cozinha são encarados como protocolos normais de quem aspira à perfeição. Por outro, gradativamente se torna uma espécie de juiz que vai lançando ainda mais luz sobre os pecados alheios, como a petulância de Tyler, a traição do senhor que leva a esposa para jantar, a atuação criminosa de especuladores financeiros, as extravagâncias de um ator fraco que já teve seus momentos no passado (vivido pelo ótimo John Leguizamo), a acidez da renomada crítica, etc. O roteiro assinado por Seth Reiss e Will Tracy não estimula um jogo de esconde com o espectador, ainda que mantenha determinadas cartas na manga. Temos insumos suficientes para perceber, antes dos personagens, que o evento possui motivações escondidas, que as coincidências não existem e que há um plano macabro em curso.
Em O Menu a experiência gastronômica vai além do paladar e do olfato, pois contempla uma contextualização, a criação de ambiências com histórias e motivações. Essa teatralidade poderia funcionar como os distrativos nos truques de mágica, ou seja, com o ilusionista desviando a atenção do público de onde a ação determinante está realmente acontecendo. No entanto, a trama não contempla essas sutilezas, a isso preferindo um percurso bem mais direto no qual as características dos personagens são escancaradas à medida que as motivações dessa equipe vêm à tona. Aliás, por falar em equipe, nela se destaca a presença da atriz Hong Chau como uma imediata que confere tons ainda mais sinistros à ocasião com o seu comportamento enigmático. Porém, mesmo conseguindo manter o interesse nessa escalada previsível a algo tétrico (fruto da ótima direção de Mylod, diga-se de passagem), o roteiro peca por um excesso de explicações, como vemos na oferta constante de interpretações que saem da boca dos personagens, seja em meio aos confrontos ou durante confissões. Essa necessidade de mastigar a informação para o espectador depõe contra a construção da atmosfera misteriosa que se beneficiaria de menos justificações. O filme opta por revelar detalhadamente um vago conflito baseado na tensão entre as classes sociais, vide a fúria homem que atingiu o cúmulo na sua relação com essa elite.
A motivação do sujeito por trás de tudo aquilo seria melhor aproveitada se estivéssemos diante de um filme de personagem, não de situação. Sim, pois o mais importante em O Menu é a dinâmica de poder sendo supostamente invertida. Nele, as pessoas de índoles questionáveis, que ocupam lugares financeiramente privilegiados na sociedade, se veem destituídas de suas, digamos, onipotências. E esta é figurada pela adesão frugal a algo que apenas o dinheiro em abundância pode proporcionar. O crescimento da importância da personagem de Anya Taylor-Joy é proporcional à evolução desse sermão sobre vingança contra os estratos abastados, em meio ao qual os coadjuvantes são restritos a certos traços (o traidor, o pedante, a mesquinha, a ladra, etc.). Portanto, para consolidar melhor o discurso social como motivador da revolta dos oprimidos contra os opressores, o roteiro precisaria nos revelar como aquelas humanidades se interferem mutuamente. Por exemplo, o que leva um homem que chegou ao topo do mundo se rebelar brutalmente contra o sistema que ele ajudou a perpetuar com a suas criações? De um ponto em diante, o terror cede lugar ao suspense e a essa fina membrana de drama social, sem que tais abordagens conversem adequadamente. Além disso, decisões determinantes como “deixar mulheres para trás” poderiam render mais do que uma simples caçada pela floresta. No fim, o saldo é positivo pelo trabalho excepcional dos atores e pela direção muito bem executada.
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Um filme profundamente metafórico e com uma crítica social que faz uma ferida na distopia cruel das elites que os oprimidos apenas testemunham. A atuação inquestionável de Ralph Fiennes transvestido de chef e a inteligência arguta da personagem Margot (uma prostituta profissional estuda a mente de seus clientes), criaram uma identificação que só o proletariado compartilha. Sinistro e perfeito.
sinceramente mto ruim