O Limite da Traição

Crítica


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Sinopse

Grace fica desiludida após descobrir um caso extraconjugal do marido. Posteriormente, ela reencontra a felicidade num novo amor. Mas, segredos vêm à tona e seu lado vulnerável se torna violento.

Crítica

Há, pelo menos, quatro filmes dentro de O Limite da Traição. Nenhum é bom e tampouco eles funcionam em conjunto. O primeiro é o da advogada estagnada na profissão, designada apenas a casos de atuação protocolar, ansiando algo passível de lhe atiçar a velha paixão profissional. O segundo é o protagonizado pela mulher que acaba caindo no conto do vigário ao enredar-se pelo fotógrafo charmoso com quem contrai matrimônio a fim de curar outra desilusão amorosa. Adiante, ela enfrenta a acusação de homicídio. O terceiro é um exemplar de tribunal, tão burocrático e desajeitado quanto os demais, destituído de tensão e/ou engenhosidade, restrito a argumentos e contra-argumentos dispostos alternadamente. O quarto (ufa!) é centralizado numa figura monstruosa, a mulher que, a despeito da fachada de senhora altruísta, esconde um plano aterrador, jogado no todo como um plot twist supostamente potente, porém que soa como um artifício completamente tolo.

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Tyler Perry concebe uma encenação própria aos folhetins superficiais. Trocando em miúdos, O Limite da Traição é um novelão repleto de personagens inconsistentes e curvas dramáticas insuficientes. Disto deriva uma sensação de trivialidade bastante incômoda. Jasmine (Bresha Webb), a magistrada acomodada em sua posição de intermediadora de convenientes acordos com a promotoria, capta alguma coisa nas conversas com Grace (Crystal Fox), indiciada por homicídio doloso e ocultação de cadáver, autoproclamada culpada. Um prato cheio para um cineasta habilidoso desenvolver, paralelamente, a gana de uma sendo “devolvida” pelo desafio de provar a inocência de alguém que sofreu o pão que o diabo amassou na mão de uma pretensa vítima, certo? Todavia, Perry prefere chafurdar na banalidade, estendendo até o limite da paciência os flashbacks que dão conta da versão da encarcerada, quando esta assume o protagonismo e rouba os holofotes.

Não bastasse a fragilidade da dramaturgia, que não consegue substanciar a convergência entre as subtramas – por conta da disposição, elas reivindicam espaços individuais, como se configurassem filmes autônomos –, ainda há pontos fracos gritantes, tais como a continuidade. Numa cena, por exemplo, entre o campo e o contracampo, o penteado de Grace muda quase radicalmente, causando um estranhamento contraproducente, oriundo de uma falha primária. O mesmo pode ser dito de uma cena ainda mais capital, quando a narradora conta como espancou o cônjuge até a morte. A sucessão de pauladas na cabeça do homem faz com que a arma, um taco de beisebol, quebre em dois pedaços. Mas, como um passe de mágica, na verdade, fruto de um equívoco amador, na tomada seguinte o artefato surge íntegro, restituído milagrosa e inexplicavelmente. Esses descuidos pontuais seriam menos problemáticos caso o filme não amontoasse tantos outros erros crassos.

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O Limite da Traição passa longe de tornar complexa a natureza inerentemente não confiável da testemunha que passou por um enorme trauma, reduz os conflitos dos personagens a um emaranhado de ações e reações tão epidérmicas quanto vulgares e lança mão de uma gama de coadjuvantes mal engendrados em enredos que não se comunicam de modo denso. Como ator, Tyler Perry possui um talento considerável, mas como roteirista e diretor deixa muito a desejar, especialmente por inclinar-se, sempre que possível, a simplificações grosseiras, como a redução dos anseios, das frustrações e dos êxitos a verbalizações. O chefe que coloca a empregada à prova; o marido diligente, “coincidentemente” um policial com acesso a informações privilegiadas, e os amigos que ajudam Jasmine lá pelas tantas, são como títeres, meros bonecos cumprindo funções e empurrando os subplots com a barriga, tentando, inutilmente, fazer o todo pegar no tranco.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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