Crítica

De um lugar do mundo de onde nos acostumamos a sempre ouvir e presenciar as piores notícias, eis que surge aqui um conto baseado em fatos reais de perseverança, talento e determinação. O Ídolo, longa escrito e dirigido pelo cineasta israelense Hany Abu-Assad, é uma história tão simples quanto insólita, talvez não tratada com a profundidade que merecesse, mas reconstruída de maneira a interferir o mínimo possível na jornada de um homem que, apenas seguindo sua vocação, acabou se tornando um símbolo para toda a sua nação. Não que esse, no entanto, fosse o seu desejo, e justamente por isso seus esforços acabaram ganhando uma dimensão muito maior do que a planejada num primeiro instante. Mais ou menos, imagina-se, o que acabou acontecendo com este belo e singelo filme.

E por que isso? Pois, por mais simples que seja a realização, ela parte de elementos que, naturalmente, geram grande expectativa a respeito. Pra começar, tem-se a história do primeiro morador da Faixa de Gaza a se consagrar campeão do Arab Idol, ou seja, a versão local do popular American Idol (no Brasil, algo como o The Voice ou o antigo Ídolos). Estamos falando, portanto, de um programa de televisão extremamente popular, e a partir do fato insólito de sua vitória, é possível imaginar o tamanho do frenesi que esta conquista gerou em sua terra natal. Por outro lado, temos um realizador respeitado, responsável por títulos como Paradise Now (2005) e Omar (2013), ambos indicados ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, o primeiro premiado no Festival de Berlim, e o segundo no de Cannes.

Quando um diretor dono um currículo tão respeitável quanto esse decide se debruçar sobre um evento que, ao menos em tese, diz respeito a uma faixa mais ampla e menos crítica da comunidade cultural internacional, é de se esperar que seu olhar seja, no mínimo, diferenciado. O Ídolo, no entanto, não entrega exatamente isso. O que o espectador encontra, por sua vez, é a jornada clássica do herói inesperado, cuja origem é a menos favorecida possível, que enfrenta as maiores adversidades em seu caminho, mas que, ainda assim, consegue se fazer notar e ser reconhecido. Mohammed Assaf (Kais Attalah, quando jovem, e Tawfeek Barhom, de filmes como Os Árabes Também Dançam, 2014, e Mundos Opostos, 2015, na fase adulta) é um rapaz que nasceu com um dom e, consequentemente, com a urgência de se fazer valer a partir dele. Algo nem sempre fácil, mas ao qual ele irá se agarrar como se sua própria vida dependesse disso.

Tudo parte de uma infância turbulenta, quando o ímpeto de ir atrás de um sonho o obriga a cantar em casamentos e até a lidar com contrabandistas (Ashraf Barhom, de 300: A Ascensão do Império, 2014) e superar a perda de sua melhor amiga, à juventude, quando toma consciência de que seu horizonte é maior do que qualquer conflito político e, por isso, decide se tornar um refugiado e abandonar a vila onde nasceu para buscar aquilo que ninguém lhe entregaria de bandeja. É neste ponto em que o filme peca em algumas soluções mais melodramáticas, ao mesmo tempo em que, quando aposta na simplicidade, termina por conquistar sua atenta audiência. Bons exemplos são o modo como acaba sendo selecionado para o show de televisão (cantando no banheiro? Sério?), como um exagero do primeiro caso, ou na sinceridade até mesmo ingênua que assume ao cruzar a fronteira (uma atitude tola, mas, ao mesmo tempo, absolutamente admirável), como prova de uma postura que só poderia ser recompensada, de alguma forma ou de outra.

Ainda que a estrutura narrativa adotada seja bastante convencional, Abu-Assad faz uso de alguns recursos que, gradualmente, vão fazendo com que até mesmo o espectador mais alheio ao episódio real se sinta inspirado pelo personagem retratado. Tomadas de câmara oblíquas e direcionadas sempre de baixo para cima, jogos de luzes e composição de cores são alguns destes recursos que colaboram nesse processo. Assim, O Ídolo será admirado não só por aqueles que o cercam – a boa montagem final combina cenas reais com ficção, deixando claro o impacto deste feito – levando o público, em ambos os lados da tela, a uma inevitável comoção. Um êxtase evidentemente sentimental, mas que, do mesmo modo, não eclipsa uma obra de poder limitado, que tem seu valor, ainda que este não perdure além da próxima temporada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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