Crítica

Se a indústria cinematográfica brasileira está, aos poucos, conquistando um lugar junto ao público e à crítica, isso pouco tem influenciado na produção de longas de animação, que seguem como resultado dos esforços hercúleos que alguns poucos. É o caso do novo O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes, filme que, se peca pelo enredo, ao menos marca pontos pela impressionante qualidade técnica. Fruto do trabalho e criatividade de Walbercy e Rafael Ribas (pai e filho), donos da Start Produtora, o desenho levou três anos para ficar pronto – quase nada, se compararmos com o anterior O Grilo Feliz, de 2001, que consumiu nada menos do que 20 anos de trabalho de Walbercy! A continuação que está agora em cartaz não depende totalmente do primeiro filme para ser compreendida, e ainda mostra uma ambição rara no cinema nacional de abranger largas fatias da audiência.

Realizado com técnica de animação digital – o segundo já feito no país, após Cassiopéia, de 1996 – O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes é um deslumbre visual. A impressão que o espectador tem, levando em conta apenas a imagem na tela, é a de estar diante de uma produção da Pixar ou da Dreamworks – sem exageros! Os personagens são completamente animados, os cenários são cheios de detalhes e as ações são bastante dinâmicas, garantindo muita cor, movimento e reviravoltas. O principal problema, aliás, provém justamente disso: são tantos sobes e desces que terminamos com uma desagradável sensação de irregularidade. E o maior causador disso é o roteiro, desequilibrado e pouco coeso.

O protagonista da trama, o tal Grilo Feliz, nos remete muito àquele vivido por Murilo Rosa em Orquestra dos Meninos (2007)– é um entusiasta da música que tem como sonho ensinar este dom ao maior número possível de crianças. Sua intenção acaba entrando em conflito a de Trambika, uma louva-a-deus gigante que escraviza meninos de rua para obrigá-los a trabalhar na produção de CDs piratas. Estes, na verdade, são cópias ilegais dos talentos de um grupo de hip hop formado por sapos cantores e da própria veia artística do Grilo Feliz (que acaba dando o troco e salvando seu trabalho quase de inadvertidamente). Misturado a isso tudo estão os ingênuos amigos do Grilo – um gafanhoto, uma joaninha, e até uma grila de voz inconfundível – que descobrem um cemitério arqueológico de insetos gigantes, lugar que por sua vez serve de inspiração para o golpe do bandido.

É tanta vontade de falar de tudo no enredo de O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes que no final das contas o deslumbramento inicial há muito já se dissipou e o que nos sobra são apenas bocejos de tédio. Nitidamente endereçado ao público – muito – infantil, é interessante perceber algumas intenções relevantes e pertinentes, como a denúncia de trabalho infantil e a polêmica da pirataria digital, mas é tão didático que estes esforços terminam não atingindo o espectador com a força necessária. E sem causar impacto, o sentido se perde. Esta segunda aventura na tela grande do Grilo Feliz e turma merece destaque pela qualidade e apresentação, mas ainda revela uma carência nacional – a falta de boas histórias. E sem envolvimento, não há boa vontade que resista.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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