Crítica
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Sinopse
Centenas de milhares de passageiros frequentam o Aeroporto Internacional de Guarulhos sem saber que a estrutura foi construída sobre território indígena. Num dia, sete pessoas se cruzam nesse espaço cheio de ancestralidade.
Crítica
A ocupação urbana em territórios considerados valiosos aos povos originários é um obstáculo que gera identificação entre os países da América Latina. Em O Estranho, Flora Dias e Juruna Mallon propõem o Aeroporto Internacional de Guarulhos, constituído sob habitação indígena, como recorte para estudo dessa sensação de anulação da identidade sul-americana. Nos dias de hoje, milhares de passageiros circulam o local diariamente, sem imaginar a vida pregressa do solo que pisam. Em meio à indiferença geral, duas mulheres sentem a presença das informações extranaturais que ali vivem. O que se aplica a seguir, são diversos rituais em busca de pertencimento.
As personagens de Larissa Siqueira e Patricia Saravy trabalham no aeroporto. Pertencentes ao estrato mais baixo das classes sociais, não se sabe ao certo o quanto de sangue nativo corre em suas veias. Entretanto, ambas circulam o ambiente mesmo em momentos de folga. Brincam de correr por uma aldeia que não existe mais e contemplam a natureza como ser divino. Para elas, o verde que cerca o campo de aviação é mais vivo que qualquer estrutura proveniente da globalização.
Do início ao fim, linearmente, os realizadores investem na perspectiva única dos descendentes, sem abrir espaço para discursos contrários que possam confundir o espectador. Desta forma, a progressividade é eliminada, e o desenvolvimento narrativo se concentra na observação. Aqui, o privilégio é percorrer os caminhos frágeis às protagonistas, sem preocupação com o destino. O trabalho de montagem é delicado, dando conta de criar uma atmosfera acolhedora. Ainda sim, vale lembrar, essa amabilidade está sempre sob olhar invisível do perigo.
Porém, a instabilidade de O Estranho reside em alguns subaproveitamentos. Rômulo Braga, por exemplo, é um dos apoios que mereciam maior desenvolvimento. Um espaço que certamente agregaria na visão plena dos acontecimentos, dado seu distanciamento com os assuntos tratados. Há também o engendro de uma linguagem que se instala momentaneamente no percurso final, carente de sustentação. Esses estranhamentos talvez sejam resultado da minutagem volumosa. Mesmo assim, sugerem interessantes debates sobre vínculos e ancestralidades.
Na balança, O Estranho é uma obra inventiva, ótima para se mergulhar e entender o universo particular daqueles que perderam o sentido nuclear de suas culturas: a terra. Nesse contexto, há outra forma de voltar a pertencer ao que já foi seu sem reivindicações ou discursos políticos? A natureza talvez esteja dando seus recados, basta que prestemos mais atenção.
Filme visto durante a 17ª Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (2023).
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